Presenciamos ontem um dos espetáculos mais vergonhosos que o futebol já foi capaz de proporcionar. O que era para ser um espetáculo esportivo, com duas grandes agremiações, tradicionais e com torcidas fanáticas, virou uma batalha campal com cenas que envergonharam a todos os que de alguma maneira gostamos do esporte ou temos algum vínculo afetivo com as partes envolvidas.  Não há heróis nem vilões, culpados ou inocentes, e todos devem, dentro das devidas responsabilidades, responder por tudo aquilo que ocorreu e que manchou tanto o jogo quanto a história dessas duas tradicionais camisas.

Antes de mais nada, peço-lhes cuidado com generalizações: o povo uruguaio não é violento e preconceituoso. Somos um povo aguerrido, que temos o péssimo hábito de achar que conseguimos nos sobrepor a todos na base da vontade e da garra, muitas vezes confundida com guerra, e com uma dose de competitividade tão elevada que perder o sorteio inicial já é motivo para esquentar o jogo. Isso tem levado a que algumas vezes, muito mais frequentemente do que deveria, em caso de derrotas levemos o jogo para um lado físico e até mesmo violento que nada tem a ver com o esporte. O ocorrido ontem no Campeón del Siglo representa apenas a falta de civilidade de alguns jogadores que vem de sucessivos fracassos e tentaram mostrar à torcida sua valentia e seu amor ao time da pior maneira, inflamando-a a ponto desta também partir para agressões que puderam perfeitamente acabar numa tragédia ainda maior. As ofensas raciais são profundamente lamentáveis e nada temos a dizer a não ser pedir desculpas por tamanha barbaridade.

Cuidem das suas declarações. Lembrem-se de que no futebol, assim como em vários aspectos da vida, tudo aquilo que é falado pode voltar-se contra. Não precisam dar tapa na cara de ninguém para mostrar valentia. Não precisam berrar nos microfones para impor respeito, que alias, deve ser conquistado, nunca imposto. Não podemos vitimizar nem transformar Filipe Melo em heroi porque esmurrou um colega de profissão, mesmo que em “legítima defesa”. Sair a público dizendo que aceita as supostas injúrias raciais porque o agressor “deve ter sido traído com um negão” não colaborou para evitar novas polêmicas, que, aliás, tinham sido causadas inicialmente pelo próprio jogador. O Palmeiras deverá enfrentar situações ainda mais complicadas do que as de ontem, e qualquer fala ou atitude destemperada pode ser usada como motivação por outras equipes, além do prejuízo com sanções desportivas que não podem deixar de ocorrer.

Se há algo que nós, uruguaios, podemos servir de exemplo, é de que transformar futebol em guerra costuma levar a resultados desastrosos. Passamos mais de uma década achando que éramos “mais homens” em campo e com isso ganharíamos jogos e campeonatos, e estamos há exatos 29 anos sem ganhar nenhum título internacional de clubes. A seleção, por sua vez, ficou fora de duas copas do mundo e só voltou a brilhar no cenário internacional quando o caudilhismo e a valentia foram associados ao bom futebol. O Palmeiras tem condições de ser campeão da Libertadores 2017 jogando bola, indo para cima dos adversários explorando o excelente nível técnico da maioria do elenco. Não precisam transformar cada jogo numa guerra, numa batalha de nervos, deixando de lado a qualidade e partindo para o jogo físico. Isso não favorece uma equipe de toque refinado e velocidade de ataque. Esqueçam catimba ou qualquer verbete do dicionário associado a isso, futebol se ganha na bola, não no pontapé.

Portanto, caros palmeirenses, convido-os a encerrar o jogo de ontem sem levantar novas polêmicas. Não procurem culpados, nem heróis ou mártires. Houve um momento profundamente lamentável que nada acrescentou (e muito prejudicou) a todos os envolvidos. Deixemos as polêmicas de lado e centremo-nos no futebol, nossa paixão comum, que dever ser muito mais um elemento de integração do que de guerra.

 

GARRA NÃO É GUERRA!

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