Bergoglio em celebração na capela do clube do coração

O bairro de Flores, em Buenos Aires, é dividido por duas realidades bem diferentes. De um lado, casas e construções de classe média/alta. De outro, simplicidade e uma população carente.

Apenas dois fatores unem os pontos próximos, porém, distintos, da capital argentina: o San Lorenzo e o Papa Francisco. Na infância, o menino Jorge Mario Bergoglio dividia seu tempo entre as brincadeiras com os amigos na parte mais nobre, onde morava, e uma paixão na comunidade pobre: o Club Atlético San Lorenzo de Almagro.

Hincha do clube azul-grená, Bergoglio precisava se deslocar ao bairro de Buedo, a três quilômetro de casa, para acompanhar as partidas do time do coração. Se tivesse permanecido por mais tempo no lar da infância (até 1993, quando foi inaugurado na parte periférica de Flores o Nuevo Gasómetro), poderia economizar pernadas para vê-lo de perto.

Nem mesmo o passar do tempo e a escolha pela vida religiosa deixaram o San Lorenzo longe de Bergoglio, que durante testemunhos a fiéis e na celebração de missas falava sobre o clube. Perto de voltar a Buedo, em estádio que será erguido no mesmo espaço em que o antigo campo ficava, agora é o San Lorenzo quem não vai deixar de lado Bergoglio. O novo estádio já foi batizado. Seu nome não poderia ser outro: vai se chamar Papa Francisco.

Do sufoco ao milagre

Ao lado de Boca Juniors, River Plate, Independiente e Racing, o San Lorenzo é considerado um dos cinco maiores times do futebol argentino, mas era o único destes gigantes que não tinha em sua sala de troféus uma taça da Libertadores da América.

Perez e Mirta são os responsáveis pela manutenção da capela (Foto: Franco Junior)

A partir do momento em que Bergoglio se tornou Francisco, em 13 de março de 2013, a situação passou a mudar. “O time escapou por pouco do rebaixamento em 2012, vinha mal das pernas. Mas, desde que Bergoglio virou Papa tudo mudou, como um verdadeiro milagre”, confessou José Luís Perez, um dos responsáveis pela manutenção da capela Padre Lorenzo Massa, a este que aqui escreve, em visita feita ao local.

Após o quase descenso, veio o título do campeonato argentino, em 2013, ano da eleição de Francisco. A conquista credenciou o San Lorenzo para a Libertadores 2014. Foi aí que o ‘milagre’ aconteceu.

Depois de se classificar como segundo pior time da primeira fase, a equipe foi a melhor dos mata-matas e, diante do Nacional, do Paraguai, o tão sonhado título da Libertadores finalmente chegou, para a alegria de Francisco e dos demais torcedores.

“Na manhã do jogo final, os torcedores lotaram os arredores do estádio e, depois do título, a festa continuou, ninguém queria ir embora e muita gente ficou até a manhã seguinte e o início da tarde do outro dia, festejando. Foi lindo”, relembrou Mirta Mendoza, também uma das mantenedoras da capela do estádio.

Situação tratada como sobrenatural por Mirta e Perez, torcedores e funcionários do San Lorenzo, será difícil de acontecer novamente. Por isso, ambos tratam como milagre a reviravolta do time após a eleição de Bergoglio.

Antes do sonhado título, a sigla CASLA (Club Atlético San Lorenzo de Almagro) era motivo de chacota para os torcedores rivais, que faziam a leitura como Clube Argentino Sem Libertadores da América. Depois da conquista, a brincadeira ficou de lado. “Tudo por conta de Bergoglio, o Papa Francisco”, afirmou Perez.

 

Bergoglio, religião e a capela do San Lorenzo

Capela fica localizada a poucos metros do Nuevo Gasómetro (Foto: Franco Junior)

Desde sua fundação, em 1º de abril de 1908, o Club Atlético San Lorenzo de Almagro possui uma forte ligação com a religião. Seja por Padre Lorenzo Massa, que ‘cede’ seu nome à equipe, ou por La Virgen María Auxiliadora, que ‘empresta’ as cores azul e grená de suas vestimentas para o time, o San Lorenzo tem o catolicismo em sua origem.

Exemplo disso é a capela Padre Lorenzo Massa, montada dentro do complexo esportivo do clube. Nela, imagens de Padre Massa e Virgen María Auxiliadora dividem espaço com fotos do ilustre torcedor Jorge Mario Bergoglio.

Ao lado do altar, uma foto do Pontífice, logo após sua posse como Papa, sendo reverenciado no Vaticano pelos cuervos (nome da torcida do time) com uma enorme bandeira da equipe. Como decoração, uma camisa da argentina assinada por Francisco. E anexo à capela, um escritório ilustrado com fotos do Bergoglio celebrando missas no local e/ou difundindo o San Lorenzo pelo mundo.

Uma das imagens mostra a pequena Maria Rose, fila de Mirta Mendoza, ao lado de Bergoglio, no dia em que a garota recebeu a primeira comunhão das mãos do agora Papa Francisco. “Foi uma benção minha filha ter dado este importante passo na vida religiosa pelo agora Papa Francisco. Ele [Bergoglio] sempre celebrava missas aqui e muita gente comparecia para vê-lo de perto”, disse a sorridente e orgulhosa mãe.

Mirta cuida da capela. Limpa o vidro. Arruma a toalha do altar. Tira o pó da estátua de um corvo (símbolo do clube). Sobe escada. Limpa toda a parede de vidro do local. E leva no peito o mesmo orgulho dos outros milhares de torcedores do San Lorenzo: ter um Papa que torce pelo mesmo time.

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