O telefone toca toda noite. No mesmo horário, do mesmo jeito, com a mesma sensação. É sempre o roteiro. Destino. Ela responde aos cumprimentos, avalia protocolarmente seu estado, passa uma falsa ideia de tranquilidade. Em poucos segundos, esquece quem está deste lado da linha, pede por sua casa, implora para que tragam suas coisas, suas roupas, sua família. Não encontra. Não sabe. Não lembra. Faz do nosso presente uma triste memória. 

Machuca, afeta, entristece, desnorteia, gera reflexão. A efemeridade de uma memória. Quanta emoção precisamos imprimir a um momento para que ele se torne memorável e por quanto tempo teremos acesso a esse bem tão precioso. Pensamos todos os dias nos picos de alegria ou sofrimento pelos quais passamos para delinearmos ou definirmos o acontece naquele segundo. Pode acabar num estalar doente de dedos. 

Nossa igreja é nossa experiência. Nosso Deus é nossa vivência do mundo. Nossa fé, o que sobra dessa experiência. Seja música, seja um abraço, seja um gesto, uma palavra. Seja um grande amor, seja uma paixão, seja um esporte. Seja um jogo de futebol. Seja uma grande vitória. Uma glória sem precedentes. Uma criança correndo na direção do pai para dividir o momento. O mundo apaixonado. Quão efêmero esse momento pode ser? 

O Vidinha, carinhosamente apelido por nós, encantou o mundo ao comemorar a classificação do papai para a final da Copa do Mundo. Pouquíssimos meses de vida esse garoto tem. Na próxima Copa do Mundo, ele já poderá ser campeão do mundo, e não lembrar como aconteceu. O Papai de medalha no peito, quando o pequeno Vidinha estiver com a memória em plena forma para ouvir o fado sendo contado, talvez não tenha domínio sobre o que passou. É um sopro. 

Choramos com o gol de Mina, no segundo final, sentimos a dor do Maestro Tabárez a superar as enfermidades e celebrar o descompasso de um gol. Batemos palmas com os islandeses, faltamos com a voz nos cânticos brasileiros em busca do hexa. Dançamos o tango eliminatório dos irmãos, nos divertimos com a falha dos atuais donos do mundo. O sete a um, mais distante na memória, doeu um tiquinho menos.

Ela não se lembra daquele dia, não se lembra de Copas, das cinco estrelas que temos, dos jogos que via com os dois netos na sela dela enquanto o bolo de laranja ficava pronto. Não se lembra que nos dava moedinhas para comprarmos os chicletes com adesivos dos jogadores. Muitas vezes, não se lembra do meu nome. Olhar fundo e perdido. Eu lembro por nós dois. Eu deixo um apelo. 

A Copa do Mundo está acabando, passaram-se sessenta e dois jogos, passou-se mais uma nas nossas vidas, passamos incontáveis momentos bons, empolgantes, sofridos, emocionados. O esporte proporciona tudo, celebra incontáveis memórias, mas é efêmero. Vivam tudo. Deixem as coisas desimportantes de lado. Cada segundo importa um mundo, significa mais do que um troféu. 

É um momento. Amanhã, podemos sê-la e não lembrar de todas essas emoções. E é triste demais não ter mais como resgatar as paixões da sua vida. 

O futebol e a família. 

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