por João Pedro Godoy

 

 

Após 27 anos, tragédia de Hillsborough, a maior da história do futebol inglês, tem resolução limpa e justa

Após 27 anos, tragédia de Hillsborough, a maior da história do futebol inglês, tem resolução limpa e justa

15 de abril de 1989. Semifinal da FA Cup, entre Liverpoool e Nottingham Forest, no estádio Hillsborough, em Sheffield. Como era de se esperar, casa cheia, e, como o habitual na Inglaterra, a divisão do estádio foi feita entre torcidas, uma de cada lado. O erro começou quando a torcida do Nottingham, mesmo em menor número, foi selecionada para ficarem com a maior parte do estádio, com 21 mil lugares. Os torcedores do Liverpool ficaram no outro “end”, com capacidade para 14 mil e seiscentos torcedores. Entre 2:30 da tarde e 2:40 da tarde, com a partida prevista para começar às 3, houve um considerável acúmulo de fãs na pequena área fora das entradas, todos ansiosos para entrar no estádio rapidamente antes do jogo começar.

Com a falta de organização da polícia em dividir quem tinha ingresso ou não, havia uma multidão na porta do estádio dez minutos antes do jogo começar, e lugares vazios dentro de Hillsborough. A passagem de quem tinha ingresso era dificultada por aqueles esperançosos em ainda conseguir sua passagem para o grande jogo. Dez minutos antes do jogo, ainda havia aproximadamente 5 mil torcedores com ingresso do lado de fora, ávidos para adentrar o local da partida. Um portão lateral foi aberto para ajudar na vazão de pessoas, mas rapidamente ficou lotado. Com a preocupação de não haver pessoas esmagadas do lado de fora, outro portão, esse que seria só de saída, foi aberto para a entrada dos fãs do Liverpool. Desta vez, sem catracas. Milhares de torcedores, com e sem ingresso foram adentrando na parte da frente do estádio, superlotando o local. O resultado foi um fluxo de milhares de torcedores através de um túnel estreito na parte traseira do campo, e para as já superlotadas duas divisões centrais, causando uma queda enorme na frente do campo, onde as pessoas estavam sendo pressionadas contra as grades pelo peso da multidão atrás deles. As pessoas que entravam não estavam cientes dos problemas em cima do muro; polícia ou comissários de bordo teriam normalmente ficado na entrada do túnel se as divisões centrais tivessem alcançado a capacidade, e teriam dirigido os torcedores para as divisões ao lado. Desta vez eles não o fizeram, por razões que nunca foram totalmente explicadas. O jogo durou três minutos. Já os momentos de horror em campo, nunca serão esquecidos.

96 fãs do Liverpool morreram na tragédia. Homens, mulheres, crianças. Esmagados, pisoteados, sufocados. O gramado de Hilsborough virou hospital improvisado, com cenas profundamente tristes.

Após o desastre, um inquérito foi instaurado para indicar as causas da tragédia. Assim, foi feito o Relatório Taylor, diretamente influenciado pela ex-primeira-ministra, a “dama de ferro” Margaret Thatcher. Nele, os fãs do Liverpool foram apontados como os únicos culpados pelas mortes, graças aos abusos no álcool e na violência. Além disso, o documento mudou radicalmente a segurança nos estádios britânicos, além de ser o principal responsável pela elitização do futebol inglês a partir de então.

O Relatório foi duramente criticado pela comunidade de Liverpool, que protestou e se recusou a aceitar que seus próprios torcedores tinham causado aquilo. E eles estavam corretos. Em 2012, outro relatório, desta vez feito por um painel independente e confirmado pelo jornal “Daily Telegraph”, constatou que 116 dos 164 relatórios de agentes foram alterados para remover o que seriam “comentários desfavoráveis à investigação” e que nunca houve provas de que os adeptos do Liverpool estariam sob a influência de bebidas alcoólicas. A luta dos reds não parou, fazendo homenagens aos 96 mortos e o pedido de “justiça pelos 96” sempre presentes em suas partidas. Em 2015, David Duckenfield, chefe de segurança em Hillsborough, assumiu ser o principal responsável pelas mortes, após autorizar a abertura dos portões. Pedidos de desculpas foram feitos por jornais que tomaram o Relatório Taylor como verdade e até por David Cameron, então primeiro-ministro.

Mas apenas hoje, no dia 26 de abril de 2016, a justiça britânica confirmou em um júri o que todos já sabiam e pediam pelo reconhecimento: a culpa da tragédia não foi dos torcedores, e sim da desorganização da polícia presente no estádio. O processo ainda deve demorar mais um ano, mas os pedidos incessantes dos torcedores do Liverpool por justiça já fizeram valer a pena. Finalmente os verdadeiros responsáveis poderão ser processados e pagar pelo que fizeram. Finalmente os torcedores sobreviventes podem ser reconhecidos como heróis que tentaram ajudar, e não como responsáveis pela morte de seus amigos queridos. Finalmente os 96 que perderam suas vidas descansarão em paz. Finalmente, o pesadelo acabou. Após 27 anos, a “justice for the 96” foi feita.

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