Julho de 1930. O mundo estava em crise. O Breve Século XX, nas palavras do historiador Eric Hobsbawm, vivia seus anos mais tristes, com os Regimes Totalitários batendo à porta. A discussão entre as extremas direita e esquerda estava acirrada. A Crise de 1929 derrubara a economia mundial, que parecia que nunca mais se reergueria. O capitalismo liberal mostrava sinais de fraqueza, enquanto o Stalinismo se fortalecia e assustava a Europa Ocidental. No Brasil, Getúlio Vargas perdera a eleição, mas procurava meios para assumir a presidência. Enquanto isso, a pequena República Oriental do Uruguai vivia seus dias de glória. Considerada a “Suiça da América”, vivia seu auge econômico pela exportação de carne durante a 1ª Guerra Mundial. Politicamente, comemorava o centenário da sua primeira constituição, e no futebol, aquele que o escritor uruguaio Eduardo Galeano definiu como “uma religião nacional. A única que não tem ateu”, as medalhas de ouro nas Olimpíadas de 1924 e 1928, consideradas títulos mundiais à época”, causavam uma euforia desenfreada nos pouco menos de dois milhões de pessoas que povoavam o pequeno território.

Esse era o cenário às vésperas da primeira Copa do Mundo organizada pela FIFA. Após a desistência de Holanda, Hungria, Suécia, Itália, Espanha, coube ao Uruguai, único candidato a permanecer interessado até o final, a árdua tarefa de organizar a competição. Apenas três estádios tinham condições de receber os jogos. O Estádio Centenário, que recebeu esse nome em homenagem ao centenário da primeira constituição, o Parque Central, estádio do Nacional, e o Estádio de Pocitos, à época propriedade do Peñarol. Com apenas quatro jogos disputados, 15 gols marcados e apenas três sofridos, o Uruguai confirmou o favoritismo e ficou com a taça, derrotando na final à vizinha Argentina, num emocionante jogo vencido pelos celestes por 4 a 2.

Cem anos depois, a história poderá ser reescrita, mas agora com um coadjuvante bem especial. Uruguai e Argentina confirmaram a candidatura conjunta para a organizar a Copa do Mundo de 2030. A edição serviria como comemoração do centenário da primeira edição dos mundiais de futebol, e teria os jogos divididos entre ambas as sedes. A candidatura será oficializada na próxima semana, no dia 30 de Agosto, e terá apoio da CONMEBOL, segundo expressou o atual presidente, o equatoriano Alejandro Dominguez.

A situação de ambos países não é a melhor. A Argentina atravessa uma enorme crise futebolística que vai muito além das quatro linhas. A falta de títulos não é nada se comparada à crise institucional vivida pela AFA (Associação do Futebol Argentino), que tem um governo provisório após sucessivos escândalos de corrupção. Já no Uruguai, um futebol semi amador em que o abismo entre Nacional, Peñarol e os demais times fica cada vez mais evidente. Clubes endividados que dependem de empréstimos milagrosos para conseguir pagar seus débitos e disputar os campeonatos. Em troca, oferecem os poucos jogadores promissores, fazendo com que o nível técnico do campeonato seja paupérrimo. Não à toa que a última boa participação de uma equipe uruguaia em torneios sul americanos foi apenas em 2011, quando o Peñarol perdeu a final da Libertadores para o Santos de Neymar.

Analisando as estruturas oferecidas pelos países, é evidente que a Argentina está numa condição melhor, contudo, ainda muito longe do famoso “Padrão FIFA”. Como organizou a Copa América 2011, tem estádios modernos que precisariam de alguns ajustes, como o caso de Mendoza, La Plata e Santa Fé, além do Monumental de Nuñez, palco principal da Copa de 1978. Apesar de folclórica, La Bombonera está muito longe de ter condições de receber uma competição do tamanho de uma Copa do Mundo. Já no Uruguai a situação é deplorável. A macrocefalia de Montevideo, capital e único município de futebol realmente profissional, faz com que seja quase impossível pensar numa outra cidade sede. Mas nem mesmo lá seria fácil receber jogos de Copa do Mundo. O Estádio Centenário teria que ser praticamente reconstruído se pretende albergar tamanha competição. O Parque Central é moderno, porém, pequeno e com alguns pontos cegos nas arquibancadas. O Campeón del Siglo é novo, mas já mostrou todas as suas falhas na segurança na batalha campal entre Palmeiras e Peñarol. Os demais não passam de estádios de treino, isso após serem bem reformados.

Não podemos negar, contudo, o quanto seria maravilhoso termos a Copa do Mundo perto outra vez. Tanto para o Brasil, que jogaria praticamente em casa, quanto para Uruguai e Argentina, países em que se respira futebol, receber a competição causaria uma euforia nacional que superaria fronteiras e rivalidades, em prol do que o mesmo Eduardo Galeano disse: “O futebol continua a ser a mais importante paixão popular do mundo, goste ou não goste, que ainda está agarrado a velhos preconceitos que esquerda e direita têm e compartilham sobre futebol. Para a direita, o futebol era a prova de que os pobres pensam com os pés; para a esquerda, o futebol era culpado pelas pessoas não pensarem.”. Num mundo tao polarizado e intolerante quanto era em 1930, como é o caso das absurdas discussões sobre nazismo ser de direita ou esquerda ou debates polítcos entre coxinhas e mortadelas, termos uma Copa do Mundo por estes lados seria uma breve epifania de alegria neste mundo de caos,

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