Está chegando a hora. Quatro anos se passaram desde que os gladiadores alemães saíram da arena ovacionados, enquanto tristes argentinos lamentavam mais um fracasso. Bobagem, afinal, futebol só é circo, e ninguém sai triste da tenda.

Ufa, pensaram. Agora tudo voltou à normalidade. Acabou a epifania. Vamos focar no que interessa e deixar de lado essas fúteis distrações. Futebol só serve mesmo para distrair a população, que agora terá tempo de pensar na realidade sócio-política-econômica e no progresso da pátria educadora brasileira. Tudo ficará bem. Teremos um sistema político confiável, afinal, agora pensaremos com cuidado antes de votar. Jamais escolheremos um presidente que não vá concluir o mandato. Cuidaremos para não votar num vice presidente que possa dar um golpe e avaliaremos conscientemente senadores e deputados que realmente representem a nossa sociedade. E daqui a quatro anos, tudo estará melhor, afinal, nada vai nos tirar do nosso objetivo.

Mas agora, o desespero toma conta das elites intelectuais. Novamente, ondas de alienação se aproximam ameaçando mais uma hecatombe social. O Brasil parou, o dólar disparou e a economia se fragiliza e ninguém percebe. O nazismo virou de esquerda, a Terra quase voltou a ser plana, o Facebook virou fonte oficial de informações… deve ser a Copa do Mundo que distraiu mais uma geração…

Você, caro leitor, que passou pelas linhas anteriores e pensou em desistir da leitura, volte e leia novamente. Existe uma figura de linguagem chamada ironia, definida como a figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender; uso de palavra ou frase de sentido diverso ou oposto ao que deveria ser empregado para definir ou denominar algo. Os seus problemas não foram causados pelo futebol. O futebol não foi criado para causar nem mesmo para esconder os seus problemas. E caso ele desapareça, eles continuarão trazendo o mesmo sofrimento.

Não estamos dizendo que a Copa do Mundo não possa ser usada como forma de manipulação. Isso ocorreu algumas vezes, até mesmo aqui no Brasil. A relação entre a seleção de 1970 e o Regime Militar é inegável, assim como o fracasso da seleção de 1982 acabou sendo mais uma frustração no mesmo decadente regime. Mas eram outros tempos, outras necessidades e uma realidade completamente diferente da atual. O que aliena não é a Copa do Mundo, são os quatro anos que cada um passa sem pensar em como melhorar a nossa realidade. São os quatro anos de Faustão, Sessão da Tarde, Netflix e Facebook como fonte de informação. Os quatro anos longe de livros, jornais e revistas de qualidade. Esses são os palhaços do circo, aqueles que são aplaudidos em pé e comentados nos bares e parques da cidade.

Arrigo Sacci disse que “o futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes”. Certamente que a Copa do Mundo não vai mudar as nossas vidas, nem a nossa realidade, nem a tenebrosa eleição que teremos pela frente. Mas pode ser um momento de socializar, de curtir, de conhecer pessoas, e por que não, de promover discussões sérias sobre os problemas mais importantes do que futebol. Aproveitar ou criticar é a sua escolha. Futebol não é pão, mas está muito longe de ser circo. Escolha se prefere os gladiadores ou os palhaços.

Comentários

comentário