O Leicester chegou à Premier League na temporada 14/15 com um objetivo bem modesto: se salvar do rebaixamento. E começou bem, fazendo bons jogos contra os grandes e contando com os argentinos Cambiasso e Ulloa como destaques. Chegou até a vencer o poderoso Manchester United, num épico 5 a 3 no King Power Stadium na quinta rodada. Mas decaiu e contou com uma sequência de 13 jogos sem vencer até ficar na última colocação no Natal. Fez uma campanha incrível de recuperação e conseguiu sete vitórias nos últimos nove jogos para se salvar quase que milagrosamente do rebaixamento. Com um caminhão de dinheiro entrando graças à permanência na primeira divisão e com os destaques Cambiasso (votado pelos torcedores como o melhor jogador da temporada) e o técnico Nigel Pearson (foi o melhor técnico da PL no mês de abril de 2015 e um dos grandes responsáveis por salvar a equipe) sendo mantidos, o Leicester parecia que ia encontrar um caminho para se manter sem tantos sustos na Premier League, certo? Errado.

 

Nigel Pearson, técnico responsável pelo acesso do Leicester à PL e pela permanência dos foxes na primeira divisão. Demissão teria sido por "atritos com a diretoria". Foto: Getty Images

Nigel Pearson, técnico responsável pelo acesso do Leicester à PL e pela permanência dos foxes na primeira divisão. Demissão teria sido por “atritos com a diretoria”. Foto: Getty Images

Por algum motivo obscuro, os donos do time resolveram demitir Nigel Pearson, simplesmente DO NADA. Surpreendeu até a mídia especializada inglesa, que achou um absurdo. Pra melhorar, no dia seguinte o astro Esteban Cambiasso anunciou que também estava deixando o clube, anúncio creditado à saída estranha do técnico Pearson. Como desgraça pouca parecia bobagem, o Leicester foi buscar o experiente técnico italiano Claudio Ranieri. A desgraça era pela razão de Ranieri ter sido demitido da seleção grega, após conseguir a proeza de perder pra seleção de ILHAS FARÖE, que conta com jogadores semiprofissionais, e deixar os gregos na última colocação de um grupo fraquíssimo nas eliminatórias da Euro. Some isso ao fato de Ranieri, apesar de ter dirigido grandes clubes como Atlético de Madrid, Chelsea, Juventus, Roma e Inter de Milão, nunca ter conquistado um título de Liga nacional. A contratação dele foi tão bizarra que nem os próprios donos do Leicester levavam muita fé no treinador, tanto que prometeram 100 mil libras para o técnico italiano para cada posição acima da décima oitava, que é a última da zona de rebaixamento. Além disso, a diretoria fez um pedido de camisas em 15/16 muito parecido com o da temporada passada, para venda em suas lojas. Todos esses fatores já dizem muito sobre as aspirações dos foxes pra temporada. Os jogadores recém-contratados também não davam muita esperança ao torcedor azul. Fuchs, Okazaki, Inler, Kanté e Benalouane chegaram em definitivo, além de Huth, que já estava na equipe desde a temporada anterior e Dyer, que chegava por empréstimo. As perspectivas pré-temporada para o Leicester eram as piores possíveis. O time ia lutar contra o rebaixamento de novo e a briga prometia ser tão dura quanto na temporada 14/15.
Tudo isso faz com que o feito do Leicester nessa temporada seja mais que um sonho. Melhor que qualquer roteiro de filme de ficção. Pois aí a magia aconteceu. TODOS os jogadores titulares do elenco em alguma parte da temporada fizeram a melhor temporada de suas vidas. Inclusive os experientes Fuchs, Huth, Morgan e Simpson. Vardy, o jogador que havia feito cinco gols na temporada passada, virou artilheiro, quebrou recorde, foi convocado à seleção inglesa e ainda estreou marcando gol de letra contra o Neuer em pleno Estádio Olimpico de Berlim. Kanté chegou como desconhecido e virou um monstro do meio campo. Mahrez, de jogador bom e barato – chegou por apenas 500 mil libras ao Leicester -, virou craque do campeonato. Até Simpson, o lateral direito que passou, sem sucesso, por Newcastle e Manchester United e era reserva de De Laet na temporada anterior, fez um bom campeonato. Os foxes ainda tiveram a “sorte” de sofrer pouco com lesões. A escalação com Schmeichel, Simpson, Huth, Morgan, Fuchs; Kanté, Drinkwater (King), Mahrez, Albrighton (Schlupp); Okazaki (Ulloa) e Vardy ficou conhecida mundialmente e encaixou perfeitamente, como mágica. Ranieri, de treinador ultrapassado e sem espaço em grandes ligas, virou estrela e símbolo de um time que superou – e muito – todas as expectativas.

O Leicester foi chegando, foi ficando nas primeiras colocações e todos pensavam: “Ah, uma hora eles vão cair”. Mas os “Deuses do futebol” pareciam querer nos emocionar nesta temporada. Os grandes ingleses fizeram péssimas campanhas. Chelsea foi pífio, City irregular, United jogando feio com Van Gaal, Liverpool em reconstrução e inconsistente com Klopp, Arsenal “tremendo” no momento decisivo – como sempre. Sobrou o Tottenham, que apresentou o melhor futebol da temporada inglesa, mas pecou em jogos decisivos, inclusive contra o próprio Leicester. Enquanto isso, os azuis iam vencendo os gigantes, um por um. Contra o City, no Etihad. Contra o Liverpool, no King Power, com um gol épico de Vardy. Contra o Chelsea, também no King Power. Contra o vice-líder Tottenham, no White Hart Lane. Vencia os pequenos com dificuldades, mas com uma consistência invejável. O time não encantava em campo pelo futebol apresentado, mas pela raça e persistência em conseguir o impossível. E conseguiu. Atingiu a vaga na Champions League com cinco rodadas de antecedência. Faltando ainda duas rodadas para o fim da Premier League, o Leicester City Football Club, um clube de aspirações extremamente modestas, se sagrou campeão da Premier League, a liga mais rica do mundo. Um título da raça, da vontade, da nostalgia, que devolve a magia do futebol nos tempos em que o dinheiro é quem comanda o vencedor. Mas que não pode ser considerado como exemplo de planejamento e de como gastar dinheiro no futebol. Não podemos confundir o feito espetacular do Leicester com algo para ser imitado, copiado. Milagres como esse no futebol, ainda mais no de hoje, estão em extinção. E é por este motivo também que nós, simples torcedores, estamos liberados para comemorar. Estamos diante da história e de um feito que será lembrado durante anos, talvez até para sempre, como o título mais improvável já conquistado por um clube de futebol.

leicester 2

Comentários

comentário