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O último domingo foi marcado por uma série de acontecimentos no mundo do esporte. No campeonato paulista, o meio campo Moisés, do Palmeiras, rompeu dois ligamentos e ficará por seis meses fora. Na Descida das Escadas de Santos, o espanhol Javier Guijarro reinou. No basquete, Anthony Davis comandou a vitória do Oeste no All-Star Game.

Essas foram algumas das principais manchetes daquele 19 de fevereiro de 2017. Só que algumas coisas passaram despercebidas por grande parte dos fãs de esporte. Eu duvido que você sabia que o Campeonato Acreano de futebol começou no domingo agora.

Na abertura da rodada, duas sonoras goleadas. O Atlético/AC fez 6 x 1 no Humaitá, enquanto o Rio Branco incorporou a Alemanha e fez 7 x 1 no Andirá.

Agora você está pensando: Ok… Para onde que esse papo vai? Explico.

No Linha Entrevista, eu bati um papo com a Rafaela Escalante. Ela tem 26 anos e é a presidente mulher mais jovem do Brasil a comandar uma equipe de futebol, o Plácido de Castro, do Acre. Além disso, o Plácido também é o único clube de futebol a ser gerido por uma dupla de mulheres. Além da Rafaela, sua vice, Joselina Barros também está a frente do time

Aproveitando que o Tigre do Abunã, como e conhecido, estreia no Acreanão 2017 hoje, fora de casa, pegando o Galvez, resolvi (finalmente) soltar esse papo que há muito estava na gaveta.

Confere só que está bem bacana.

Matheus Bottura: De onde veio a sua relação com o Plácido de Castro?

Rafaela Escalante: A minha relação com o clube foi de torcedora mesmo, né?! Porque eu nasci na cidade de Plácido de Castro. O time nasceu em 2008, mas na verdade (se profissionalizou) ele é de 1999. Ele foi para a elite do futebol acreano em 2008. Desde então que eu acompanho o time.

Participei, fui presidente da torcida organizada, a Fanáticos Plácido. Então, desde 2008 que eu venho acompanhando o clube e sou apaixonada. Venho acompanhando todos os jogos, toda sua rotina, que ele vem fazendo de lá até aqui e hoje sou a Presidente do clube.

Matheus Bottura: E como foi para você receber a notícia de que o então candidato a presidência não poderia concorrer e essa oportunidade caiu na sua mão? Você teve algum medo ou pensou: agora é minha vez?

Rafaela Escalante: Bem, foi um susto meio grande, né?! Porque, inicialmente, eu iria ser vice-presidente da chapa. Aí houve alguns problemas com documentação e acabou que não deu certo. Aí me chegou o convite para ser a Presidente do clube e eu fiquei meio na dúvida no início.

Depois conversei com algumas pessoas e resolvi escolher a minha vice-presidente. Falei que, se a pessoa que eu indicasse, aceitasse ser vice-presidente, eu aceitaria numa boa. Aí a minha vice, Joselina Barros, aceitou tranquilamente e somos presidente e vice-presidente mulher.

MB: E como foi a relação da sua família, amigos e noivo? Eles mais te incentivaram ou ficaram mais: “ih, não nessa que é muita dor de cabeça”?

RE: Meus amigos e família apoiaram sim, acharam a ideia bacana e tudo mais. E muitas outras pessoas acharam bacana, Gente nova, pessoas que pelo menos tem uma iniciativa melhor, que seria bom para o clube.

Tiveram algumas pessoas que disseram sim que só é dor de cabeça e, na verdade é. Dá muita dor de cabeça, sim, administrar um clube, mas o desafio é grande e eu topei e vamos até o fim. Vamos ver no que dá, para juntos, futuramente, ter uma boa gestão e ser lembrada por ter realizado uma boa gestão no clube.

MB: O que você pensa quando lê ou escuta uma matéria que ressaltam que o Plácido de Castro é o primeiro time do Brasil que é comandado por duas mulheres? A gente pode falar que isso é um marco para o futebol brasileiro?

RE: É bem interessante, né? Porque são duas mulheres, né?! Uma mulher administrar já é bem diferente, porque ela está em uma gestão, num meio que é mais considerado para homens. Então ter duas mulheres é sinal de que as coisas estão mudando, que devem mudar. Não são só homens que tem capacidade de gerir uma empresa ou um clube de futebol.

Estamos aí para mostrar o nosso trabalho, que vem sendo bem transparente, muita gente tá gostando, adorando, então tá sendo muito interessante quando eu leio alguma coisa que diz respeito a nós, duas mulheres, que está sendo um fato histórico para o ramo do futebol.

É muito gratificante ver que nós, de um lugarzinho assim, um pouco escondido, está fazendo história no futebol brasileiro.

MB: A sua eleição para Presidente pode ser considerada uma vitória da mulher dentro do futebol?

RE: No meio do futebol, considero que sim. Mas também tem muitas outras melhores trabalhando no ramo também, que fazem bastante diferença. Eu quero mostrar o meu trabalho e quero sim ser reconhecida nacionalmente, por ter feito um bom trabalho. Por reerguer o clube, trazer recursos e ter uma boa gestão. Quero ser marcada por fazer muito mais e para o bem do clube.

MB: Em algum momento, desde que você assumiu a presidência do Plácido, você passou por alguma situação envolvendo machismo, com alguém torcendo o nariz ou falando algo contrário, pelo fato de você ser mulher e comandar um time de um esporte que, até hoje, é majoritariamente comandado por homens?

RE: Não sofri nenhum preconceito até o momento. Graças a Deus tá sendo bem tranquilo. Muita gente me respeite muito, muitos homens conversam comigo naturalmente, sem nenhum ar de machismo.

Pelo contrário. Me elogiam bastante, ao contrario de me tratar com machismo, pela coragem que eu tive de assumir o clube querer fazer diferente. Então, até o momento, não sofri nenhum preconceito. Claro que é um universo bem masculino, a gente lida muito com homem. Então, a mulher lidar com muitos homem é meio assim, pelos olhares que é meio complicado. Mas dá para administrar e conseguir conciliar as partes e conseguir o respeito de cada um.

MB: E como que os outros presidentes de times do Acre reagiram? Te incentivaram  e felicitaram pela iniciativa ou acabaram dando de ombro e segue o jogo?

RE: Os presidentes também me deram uma força porque eles já estão no ramo há mais tempo que eu. Então, eles me disseram que o desafio é grande, como já imaginava que diriam isso. Então me desejaram parabéns e que tivesse cada vez mais coragem porque iria ser duro o trabalho.

Mas eles me dão forças, converso com alguns que me dão algumas dicas e trabalhamos juntos porque o futebol do Acre precisa que os clubes em si trabalhem juntos para crescer juntos. Nós somos uma classe pequena ainda no futebol. Se nós nos unirmos, podemos ser uma força futura no Brasil.

MB: Por ser de uma cidade pequena, que tem um pouco menos de 20 mil habitantes, imagino que a torcida do Plácido de Castro não seja uma das maiores, mas nem por isso, menos apaixonada pelo time. Eu queria saber como é a relação do torcedor da torcida com o time?

RE: O nosso clube não tem uma torcida tão elástica, mas tem torcedores fanáticos pelo clube. Alguns jogos que são na capital (Rio Branco), já deu muito mais placidiano do que próprias pessoas da capital. Os nossos torcedores são tão apaixonados que eles têm de viajar cem quilômetros para ver o time jogar.

Então, nossa torcida é um pouco falha assim, mas a gente quer resgatar isso. A gente quer trazer o torcedor para junto da gente. A força do futebol é o torcedor, então é neles que temos que focar neles também.

Em 2011, quando fomos à final (perdida para o Rio Branco), nossa primeira final de acreano, a Arena da Floresta tinha 8.500 pessoas, mais da metade era só de torcedor do Plácido. Placidiano é apaixonado pelo time, só que o time nos últimos anos não vem agradando tanto, mas eu estou  aqui para mudar isso. Para trazer o torcedor e volta e para que o clube possa ter uma base.

Trabalhar com as crianças. Motivação, comendo de baixo e os torcedores um dia para ter sócio torcedor mais ativo. A gente já trabalha com o sócio torcedor, mas são poucas pessoas que fazem parte do programa. Mas a gente quer trabalhar para o futuro.

MB: Antes de assumir a presidência do Plácido de Castro, você era presidente da Fanáticos Plácido, a torcida organizada do clube. Quais são as principais diferenças entre presidir uma torcida organizada e um time de futebol profissional?

RE: A diferença é bem grande. Antes, eu só ia para os jogos. Ia para todos os jogos, colocava as faixas, ficava torcendo, gritando… Hoje o comportamento tem que ser diferente. Além de gerir o clube, a gente tem que ficar na arquibancada, quietinha, não pode xingar mais o juiz, não pode xingar mais os jogadores…Quando é torcedor, a gente xinga todo mundo, isso é normal de torcedor, Já nessa posição (de presidente), é totalmente diferente.

Com a Fanáticos era só convidar a galera e ir para o jogo e colocar as faixas. Hoje é uma programação totalmente diferente para ir para o jogo.

MB: Apesar de presidir o Plácido de Castro, você trabalha em uma empresa da Capital do estado. Isso atrapalha ou interfere de alguma maneira na sua presidência?

RE: Interferir, não interfere. Dá para trabalhar, só que fica complicado porque eu não acompanho diariamente o meu clube. Mas também não precisa. Minha vice está lá, que é quem acompanha todos os dias, então eu represento o clube aqui na Capital, para quando precisa de alguma coisa, estou sempre disposta. Tudo tranquilo.

Claro que, no meu trabalho, eu precisaria de um pouquinho mais de tempo para gerir algumas coisas, mas dá para conciliar. O meu gestor é bem tranquilo e flexível com os meus horários. Quando eu preciso ir na cidade, ele me libera, então é tranquilo.

MB: Você acha que a sua eleição pode ter sido uma porta de entrada para que tanto mulheres, quanto pessoas mais jovens, possam se envolver mais no futebol, que ainda é comandado por pessoas de muita idade e que, na maioria das vezes, tem pensamentos muito arcaicos?

RE: Creio que sim. Seria muito interessante no futebol, dos outros times, até mesmo times de série A, os clubes que a gente torce, que sejam geridos por pessoas mais jovens, pessoas que tenham a capacidade de gerir e tenham força de vontade e ideias novas, vontade de fazer diferente…

Até porque, quando o torcedor está lá, ele quer muitas coisas. Jogador bom, quer que ganhe jogos a todos os momentos… Então, quando a gente vai gerir um clube, é diferente. Tem certas situações que a gente tem que se conformar com uma derrota porque o nosso, e outros clubes, tem uma série de limitações, então cabe a gente administrar.

MB: No ano passado, o Plácido de Castro iniciou uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo), além de vender camisas pela internet.  Além disso, você pretende explorar as redes sociais ou alguma outra tecnologia em benefício do clube?

RE: Eu criei uma campanha que não deu muito certo. No início, muita gente tinha a intenção de ajudar, quando eu fiz a campanha, mas não ajudou como gostaria, mas a gente vai tentando de todas as formas, né?!

Fiz a campanha, coloquei camisa no Mercado Livre para vende, já que tem muita gente que pede para comprar camisa do clube, colecionadores e torcedores que moram longe, então a gente tem que fazer de um tudo para tentar arrecadar recursos para o clube.

Eu tenho a intenção de colocar ainda mais produtos à venda. A rede social é o que que tá mais no momento, então é sempre bom colocar o clube na mídia para que dê certo e seja divulgado e que tenham mais pessoas interessadas em comprar os nossos produtos.

MB: Apesar de ter uma história recente vitoriosa, até com o título do campeonato acreano, poucos anos após ter sido profissionalizado, e também com participações em Série D do Campeonato Brasileiro, o Plácido de Castro acabou não tendo uma campanha tão boa assim na temporada passada. Como que você avalia o seu primeiro campeonato a frente do time e quais são as projeções para a atual temporada?

RE: Meu primeiro ano foi complicado. Assumi o clube com tudo montado. Assumi em janeiro de 2016, mas a formulação da equipe, que foi formada junto a uma parceria, isso foi fechado em outubro de 2015. Então eu não tive tempo (de montar a equipe) só administrei algo que já estava pronto.

Agora em 2017 que meu trabalho vai começar. O planejamento já vem sendo executado desde o ano passado, buscando empresas parceiras, patrocínios, para que nós consigamos nos fortalecer e ir bem melhor do que fomos no último campeonato.

Claro que, quando a gente entra na competição, é em busca de títulos, de ser campeão, mas foi complicado administrar algo que não fui eu quem montou. Agora eu tive a chance de montar a minha equipe, o meu time. Vamos ver como que vai ser.

MB: O Plácido de Castro já pensa no futuro, com categorias de base ou isso é algo que você pretende implementar no seu mandato?

RE: Nós já trabalhamos sim a base. Desde 2015 a gente vem montando o projeto com as categorias de base, sub-19 e o sub-17 que começou em 2016. São várias competições. O meu foco é continuar com as categorias de base, se firmar e fazer um investimento na base, porque é daí que sai o nosso futuro.

O futebol local tem muita deficiência e as pessoas gostam muito de buscar fora. Vamos tentar manter as categorias de base para que, no futuro, a gente não necessite buscar tantos jogadores lá fora, mas sim, manter os nossos meninos que aqui são muito bons de bola também.

MB: Em outra entrevista, li que você pegou o Plácido de Castro com muitas dívidas. Eu queria saber como foi para você administrar as finanças do time? Já deu para normalizar a situação ou ainda tem muita coisa pela frete?

RE: Eu peguei o time com muitas dívidas. O clube passou por muitas más administrações. Em 2015 teve um recurso que o governo prometeu e acabou não cumprindo, então são inúmeras coisas feitas que deixaram o clube nessa situação.

Eu estou tentando de todas as formas para amenizar todos esses empecilhos, mas é complicado. O time não tem recursos próprios, não tem uma renda fixa. É muito complicado, mas estamos com esse desafio. Estou tentando de todas as formas, montando uma equipe boa para chegar forte este ano, porque se a gente conseguir um acesso, ser campeão, dá uma entrada boa de grana para a gente trabalhar bacana.

MB: Toda a repercussão que você e o time tiveram na mídia, isso acabou sendo algo bom ou ruim para o clube?

RE: Foi muito boa. Eu acabei conhecendo pessoas de vários lugares do Brasil. Então tem gente que tá torcendo por mim e pelo clube. Atraiu mais olhares, mais pessoas torcendo para que dê certo. Que o Plácido consiga sair desta situação e só não foi melhor porque o nosso time não correspondeu às expectativas.

Muita gente acompanhando, me mandavam mensagem perguntando como foi o jogo, quando que iria ter o jogo, mas foi um pouco desastrosa a nossa participação no campeonato na temporada 2016, mas a gente está aí para reverter e este ano vamos com tudo para trazer alegria e divulgar ainda mais o nosso clube;

MB: E para quem quiser conhecer mais os projetos do clube, como faz?

RE: O nosso clube não tem site. Infelizmente, pelo tamanho da cidade, os nossos torcedores não comportam para ter um site que não vai ter tanto acesso. Mas a gente tem a página do Facebook, que onde a gente posta várias informações e noticias do clube, além da página da Fanáticos Plácido.

Nota do editor: Agora o Plácido de castro também conta com um aplicativo oficial, já disponível na GooglePlay e no App Store. De acordo com matéria do GE, além do catálogo de produtos do clube, o torcedor terá acesso ao histórico do time, ao hino, galeria de fotos, tabelas de jogos, últimas notícias e resultados, promoções, parceiros, espaços Torcida Fanáticos e Sócio Torcedor e um mural de recados. As redes sociais oficiais do Tigre do Abunã serão integradas ao aplicativo”.

MB: Para fechar o nosso papo, uma pergunta que não tem relação alguma com futebol. Nos outros estados, sempre existiram aquelas piadas de que o Acre não existe e por aí vai. Como que a galera daí reage a essas “brincadeiras”?

RE: Essas piadinhas já são chatas, todo mundo zoa, todo mundo fala mal e dizem que não existe, de que não faz parte do Brasil… Mas isso é normal. A gente brinca, que quando alguém pergunta se o Acre existe eu falo “Existe. E lá tem excelentes professores de Geografia”.

Nós estudamos geografia no nosso quadro de ensino também. Aqui a gente conhece todos os estados do Brasil, mas a gente tira sarro também. Diz que a gente cria onça ao invés de cachorro no quintal. Então a gente brinca, não adianta se estressar, porque nós somos um estado bacana.

Se as pessoas conhecessem mesmo o lado bom do Acre, não falariam tão mal assim.

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