A trajetória Celeste na Copa do Mundo 2018 começou sem sobressaltos. Duas vitórias por 1 a 0 nas duas primeiras partidas e a vaga antecipada nas oitavas de final. Contudo, chovem críticas em relação ao esquema tático e à forma de jogar do Uruguai, que não mostrou nos resultados a superioridade de nomes em relação a Egito e Arábia Saudita. As críticas, porém, misturam empolgação excessiva com os nomes e certo desconhecimento da forma como a seleção dirigida por Óscar Tabárez joga desde 2006.

LATERAIS QUE MARCAM PRIMEIRO E ATACAM DEPOIS

Não é tradição do futebol uruguaio ter laterais que apoiam o tempo todo. Inclusive, as décadas de 90 e início dos anos 2000 mostraram uma deficiência na formação de laterais, especialmente esquerdos. A prova disso está na permanência de Maxi Pereira como dono da lateral direita desde 2005 e o fato de dois dos três últimos laterais-esquerdos serem destros (Fucile e Cáceres) e o outro ser um volante improvisado (Álvaro Pereira).

Assim, mesmo que em alguns momentos Tabárez tenha escalado a seleção com três zagueiros e dois alas, os laterais tem uma preocupação essencialmente defensiva, e raramente avançam ao ataque ao mesmo tempo. Nesta Copa do Mundo, Guillermo Varela e Martín Cáceres tem repetido o modelo.

ZAGUEIROS QUE JOGAM NAS DUAS ÁREAS

A força no jogo aéreo é arma fundamental desta equipe uruguaia. Ao longo das Eliminatórias, boa parte dos gols foram marcados em bolas paradas provenientes de escanteios e faltas laterais. Se olhar o gol que classificou o Uruguai às oitavas em 2014 e o da vitória contra o Egito na estreia de 2018, as semelhanças são quase assustadoras. Bola cobrada na marca do pênalti e os dois zagueiros na bola. Um antecipa e coloca na rede adversária.

MEIO-CAMPO COM DOIS VOLANTES SEM MEIA DE CRIAÇÃO

Quando assumiu a seleção, Tabárez tentou impor um sistema com três meias e três atacantes. Contudo, não achou peças para tal e optou por uma dupla de volantes mais recuados e mais dois com características mistas. Durante muitos anos, Diego Perez foi a referência do meio-campo. Seus parceiros variavam entre Walter Gargano, Egídio Arévalo Ríos e Álvaro González. Todos de forte poder de marcação e pouca qualidade com a bola no pé.

Nas eliminatórias para a Copa da Rússia, porém, as dificuldades de criação levaram à entrada de jogadores com mais qualidade na saída de bola. Foi a vez de Matías Vecino, titular da Inter de Milão. Já no final da caminhada rumo à Copa, apareceram Federico Valverde, Rodrigo Bentancur e Nahitán Nández. Valverde acabou não sendo convocado por conta das contusões no primeiro semestre de 2018, mas os outros três são peças importantes no esquema atual.

Há um questionamento, especialmente no Brasil, a respeito da não escalação do meia do Cruzeiro Giorgian De Arrascaeta para ser o homem de criação. Essa posição tem sido a eterna (e mal sucedida) busca do Tabárez. Por ai passaram Ignacio González, Nicolás Lodeiro, Gastón Ramírez e agora De Arrascaeta. O único que se destacou foi Diego Forlán em 2010, que recuado tinha espaços e aproveitava seu bom chute de fora da área para ser a referência daquela campanha Celeste.

A entrada do jovem De Arrascaeta como titular no jogo contra o Egito gerou altas expectativas, especialmente pelo bom momento vivido pelo meia no Cruzeiro. Contudo, o esquema não o favorece. Com o esquema com dois volantes mais recuados, necessariamente os demais meio-campistas jogam mais abertos. Na direita, Nández e Sanchez recompõem melhor do que De Arrascaeta, e como o lateral-direito Varela avança mais e marca pior do que o esquerdo Cáceres, precisa de maior proteção por esse setor. Assim, o cruzeirense deveria cair pela esquerda. Acontece que o meia é destro, e na escalação titular no jogo contra o Egito, os demais 10 companheiros também, deixando o Uruguai sem saída pelo lado esquerdo do campo.

A entrada de Cristian Rodríguez no segundo tempo da estreia corrigiu isso, e a seleção uruguaia passou a criar mais por esse setor. Contra a Arábia, Rodríguez foi titular e fez um jogo razoável até cansar e dar lugar a Diego Laxalt, de excelente temporada na Genoa da Itália, e de enorme futuro da seleção. Com Laxalt em campo, Uruguai reforçou a marcação e ganhou em velocidade no ataque.

SUÁREZ E CAVANI SÃO PILARES DO SISTEMA DEFENSIVO

Quem acompanha as ligas europeias, acostumou-se a ver Suárez e Cavani como artilheiros do Barcelona e do PSG respectivamente. Ambos são clubes gigantes nos seus países, muito superiores aos seus adversários e que atacam quase que o tempo todo. Com isso, os atacantes nascidos em Salto estão permanentemente na cara do gol e acabam se destacando ao balançar as redes adversárias.

Todavia, isso não se aplica à seleção uruguaia. O esquema de jogo proposto por Tabárez faz com que a primeira preocupação de Suárez e Cavani seja a marcação na saída de bola dos adversários, o que naturalmente os desgasta mais do que nos seus clubes. Além disso, como não há uma proposta de jogo tão ofensiva, a quantidade de chances claras de gol diminuem consideravelmente. Ainda assim, Suárez é artilheiro histórico da seleção uruguaia, e Cavani foi o artilheiro das Eliminatórias, o que mostra que a dupla é extremamente eficiente mesmo fora das condições ideais.

Nos dois jogos disputados pelo Uruguai até o momento, Suárez e Cavani precisaram lutar contra defesas fechadas, sem possibilidade de explorar o contra-ataque. Na estreia, Suárez teve uma noite infeliz, e perdeu três gols que raramente perderia, enquanto Cavani cobrou uma falta na trave e obrigou o goleiro egípcio a fazer uma enorme defesa. Contra a Arábia, Suárez fez o gol da vitória uruguaia e Cavani perdeu um gol que teria matado o jogo após roubar uma bola num vacilo incrível do zagueiro adversário.  Não é nada tão desesperador quanto parece.

URUGUAI ESTÁ MONTADO PARA O CONTRA-ATAQUE

Historicamente, Uruguai apresenta sérias dificuldades com adversários que se fecham e o obrigam a propor o jogo. Isso tem se repetido ao longo dos últimos anos, especialmente desde 2006, quando Tabárez assumiu a seleção. E o que a grande crítica define como “fim da mística da camisa celeste”, na verdade é reflexo de uma proposta tática que tem conduzido o Uruguai a vitórias impensadas anos atrás: Inglaterra e Itália na Copa de 2014, Argentina jogando de visitante na Copa América 2011 e jogos fora de casa nas Eliminatórias acabaram com os três pontos na margem oriental do Rio Uruguai. Por quê? Porque o Uruguai se retrai, obriga o adversário a sair para o jogo e usa a velocidade e poder de definição dos seus atacantes pegando as defesas adversárias desarrumadas. Mudam os nomes, mas o esquema permanece. O preço disso é alto, pois o jogo se torna pouco vistoso e acima de tudo, arriscado contra seleções de menor envergadura.

Em suma, não se assuste ao ver que o Uruguai “apenas” venceu por 1 a 0 Egito e Arábia Saudita. O futebol não encheu os olhos, mas os pontos vieram, a vaga nas oitavas de final está garantida e o melhor está por vir. Vamos que vamos!

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