Quem o conhece atualmente pode não imaginar que Emerson Iser Bem, hoje com 42 anos, homem de olhar pacato, figura muito simpática, receptiva e exibindo um corpo não lá muito atlético, conseguiu alguns dos maiores feitos na história do atletismo brasileiro. Feito conquistado após muito esforço, dedicação e também com uma pitada de ajuda do destino.

Quando garoto, Emerson adorava jogar handebol e futebol. Porém, aos 12 anos, um acidente fez o menino ficar sem o polegar esquerdo e o impediu de praticar esportes com bola. Logo depois, meio sem querer, nasceu a paixão pelo atletismo. “Lá na minha cidade, no Paraná (Santo Antônio do Sudoeste, fronteira com a Argentina), tinha uma corrida e sempre me interessei em participar. Finalmente naquele ano resolvi correr, pois era a única alternativa para não machucar minha mão”, conta Iser Bem. “No primeiro ano, não consegui completar a prova de 7km. Mas um ano depois eu voltei e venci a categoria Infanto. Daí eu descobri que era bom na corrida”. E os números comprovavam que ele era bom mesmo. “Naquele ano de 1988, eu corri 22 provas na minha faixa etária e só perdi duas”, diz.

O talento do garoto logo foi descoberto e, aos 15 anos, Emerson foi treinar em Londrina. Pouco depois, já como um prodígio no atletismo brasileiro, partiu para Campinas, São Paulo. Dali, sua carreira decolou. Aos 19 anos, Emerson quebrou o recorde brasileiro juvenil nos 5.000 metros, que até hoje pertence a ele. Uma história bem bacana. “Tinham dois amigos meus, o Valdenor Pereira dos Santos e Clodoaldo do Carmo, que disputavam o recorde por um detalhe de inscrição e brincavam com isso. Valdenor tinha corrido para 14min08s, mas a marca não tinha valido, enquanto o Clodoaldo tinha feito 14mins14s oficialmente. Mas eu estava me aproximando do tempo deles. Em 92, para fazer o índice do Mundial júnior, em Seul, acabei correndo 14min08s. Aí acabei com a brincadeira deles”. Mas só estabelecer o recorde não estava de bom tamanho para o jovem Emerson. “No Mundial eu queria mesmo era superar a barreira dos 14 minutos, e treinei muito pra isso. Lá em Seul eu consegui correr 13min59s na semi-final e estabeleci o recorde que permanece até hoje”, conta.

Emerson fala orgulhoso do recorde, mas tem algumas ressalvas sobre ele. “Recordes estão aí para serem quebrados. O meu está durando bastante, mas um dia ele cai. Diferentemente de títulos, esses sim ninguém tira”, enfatiza. E de títulos, Emerson Iser Bem entende. O mais conhecido, claro, é a São Silvestre, mas o ex atleta também é o único brasileiro a vencer uma etapa de um Mundial de cross-country – corrida em terrenos variados, como grama e cimento. “Todo começo de ano, eu ficava uns dois, três meses correndo cross. Melhorei bastante com isso. Numa dessas, ganhei a etapa de Algarve, em Portugal.” Emerson evoluiu no atletismo, pois as provas exigiam muito. Ele considera, inclusive, uma delas como a mais difícil da carreira. “A prova que eu mais corri na minha vida foi em Sevilha, na Espanha, chamada cross de Itálica. Tinha água até no meio da minha canela por causa da chuva. Cheguei no sexto lugar e fiquei muito orgulhoso com minha performance.” Iser Bem ainda foi campeão da meia maratona de Buenos Aires, na época a mais importante da América Latina e possui marcas entre as melhores do país nos 5.000 e 10.000 metros, além da meia-maratona.

Porém, seu feito mais famoso e mais improvável, aconteceu no Brasil. Em 1997, Emerson Iser Bem se preparou para correr a São Silvestre também pensando no Mundial de Cross- Country. Foco na vitória? Ele diz que não. “Sempre competi procurando traçar metas durante o evento. Durante uma corrida existem muitas variáveis, então eu sempre pensava em fazer o meu melhor, sem focar em resultados.” Mas, naquela prova, tudo parecia estar a favor do brasileiro. “Durante a prova, pensava em ficar entre os 10 melhores. Mas reprogramei quando me vi num pelotão de seis atletas no meio da prova. Quis ficar entre os cinco melhores, então precisava bater apenas um deles. Só tinha cara muito bom, mas eu estava conseguindo ir bem”, conta.

Já no final da São Silvestre, Emerson se viu disputando com o sul-africano Hendrick Ramaala pela segunda colocação. Um velho conhecido do brasileiro. “Não só disputávamos provas de Cross juntos, mas também íamos a baladas, saíamos sempre. Era um grande amigo e um adversário que eu já havia batido”. Na verdade, a preocupação de Iser Bem já era a de olhar pra trás, para fugir de Vanderlei Cordeiro de Lima. O brasileiro melhor colocado na prova ganharia um carro e esse era o pensamento do ex-atleta na corrida. Porém, o ritmo imprimido por Emerson para fugir de Ramaala e Vanderlei foi tão forte que ele acabou alcançando a lenda Paul Tergat, então bicampeão da São Silvestre. “Aí reprogramei de novo e pensei que nunca ia ganhar do cara. Não tinha essa pretensão. Mas coloquei na minha cabeça que eu ia chegar perto na foto da chegada, que ia dar meu tudo para sair nessa foto”, descreve.

Emerson Iser Bem ultrapassa Paul Tergat, no que seria uma das vitórias mais emblemáticas e surpreendentes da história da São Silvestre. Foto: Reprodução Facebook/Acervo Pessoal Emerson Iser Bem

Emerson Iser Bem ultrapassa Paul Tergat, no que seria uma das vitórias mais emblemáticas e surpreendentes da história da São Silvestre. Foto: Reprodução Facebook/Acervo Pessoal Emerson Iser Bem

Mas, naquela ocasião em especial, Emerson Iser Bem tirou forças de onde não tinha e ele tem uma explicação para isso. “As pessoas viram um brasileiro disputando com o queniano na entrada da Paulista. Como meu sobrenome é difícil de falar, as pessoas não gritaram por mim. Gritaram Brasil. Naquele momento, eu deixei de ser Emerson e passei a ser Brasil. Tenta imaginar o que é estar numa disputa esportiva e milhares de pessoas gritando Brasil. Aquilo me deu uma adrenalina singular, me deu uma força descomunal, uma vontade e uma arrancada que eu não teria em outra situação. Sem isso, eu definitivamente não teria vencido”.

E Emerson parecia consciente do quão surpreendente e heroico foi seu feito, mesmo logo após a prova. “Hoje, o fusquinha ganhou da Ferrari”, disse, numa das primeiras entrevistas pós vitória. Paul Tergat foi campeão nas três São Silvestres seguintes, sagrando-se, assim, o maior ganhador da história da corrida. Ainda conquistou duas medalhas olímpicas, o que mostra o quão gigante foi o feito de Iser Bem. E o fusquinha ganhar da Ferrari não acontece todo dia. Aliás, é muito raro. Então qual o motivo dessa história ser tão pouco divulgada? Ele mesmo tem algumas hipóteses.

“Na época, foi muito falado sobre minha vitória, tive até dificuldades nos treinamentos por conta do assédio. Mas depois passou. Existem vários atletas com histórias tão ou até mais legais que a minha, como o Joaquim Cruz, mas o brasileiro esquece as coisas muito rapidamente. Acho até que por conta da nossa cultura de só prestar atenção no futebol, as pessoas acabam se esquecendo dos outros esportes”. Mas Emerson nunca quis se vangloriar demais, e nem viver da conquista. “Nunca fiz questão de chegar e falar que ganhei a São Silvestre. Quero ser conhecido como um bom organizador de eventos esportivos, como um bom administrador nos meus projetos sociais, e não apenas como “o cara que ganhou a São Silvestre do Paul Tergat”. Talvez por isso, eu mesmo tenha ajudado a esquecer da minha história”, comenta.

Após a grande conquista, Emerson conseguiu mais alguns bons resultados, mas sofreu com lesões que atrapalharam a carreira. Parou de correr em 2007.

Hoje, se dedica a um projeto social com crianças em Pindamonhangaba, reconhecido até pelo Globo Esporte (reportagem completa AQUI). Além disso, Emerson Iser Bem possui uma empresa de assessoria e consultoria esportiva.

A história de Emerson é pouco conhecida e contada, e, por isso, o Linha Esportiva tem muito orgulho de poder trazê-la até você. Uma verdadeira lenda do atletismo, que merece mais reconhecimento pelo que fez.

 

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