Neste início de ano, o nível de desmazelo da imprensa esportiva dita especializada chegou ao mais baixo que se pode imaginar. Um boato se transformou em notícia em questão de horas. Pior: em portais de notícias, que deveriam zelar pela qualidade da informação.

E por que isso acontece? Falta de esmero? Quem dera fosse. O buraco é bem mais embaixo.

Não é preciso ser jornalista para saber que esta época do ano é a mais chata para se trabalhar. Faltam notícias relevantes e o que sobra, além de “informação” plantada por agentes preocupados em colocar seus clientes na mídia, é estagiário de portal caçando o que publicar como se fosse um fumante vasculhando o chão atrás de uma bituca de cigarro acesa.

Aí, meu amigo, é preciso saber separar o joio do trigo. Apurar. Desconfiar. Consultar fontes. Sentir o cheiro de picaretagem mesmo. A Udinese precisa de um lateral? Clayson, da Ponte Preta, atende a necessidade do técnico Luigi Del Neri, do time de Udine, caso ele a tenha? Sabe-se – ou deveria saber – que boa parte dos negócios fechados no meio da temporada europeia acontece para sanar deficiências no elenco captadas ao longo da primeira parte da época do Velho Continente. Fora isso, só negócios extraordinários acontecem. Agora eu pergunto: nem o editor percebeu?

As redações, sobretudo dos portais noticiosos, estão infestadas de estudantes cuja qualidade da formação é duvidosa. Ok, não vou ser tão chato. Um dos pontos importantes da formação é a parte prática, e isso não se aprende nos bancos da faculdade. Mas a base está sendo feita de qualquer jeito. Aí junta-se isso à necessidade de dar a notícia antes o maldito “furo jornalístico”, e o resultado é desastroso.

Se o jornalismo esportivo era a menina dos olhos de oito em cada dez estudantes, agora eles querem fazer algo divertido. É o tal do jornalismo engraçadinho. Aí, aliado ao fato de o sujeito não tirar a camisa do próprio time na hora de trabalhar, dá nisso. Aí é um tal de “decreto”, “descubra”, “mimacher”, “danone”, “zoeira” e o cacete a quatro que, de divertido, virou moda e já passou muito do ponto. Entre torcedores é perfeito. Bobo, mas cabível. Mas só entre torcedores.

Não, senhores, jornalismo não é engraçado. O nome disso é entretenimento.

Estamos na chamada Era do Conhecimento, mas ainda sofremos impactos gerados na fase anterior da humanidade, batizada como Era da Informação. Segundo estudo publicado pelo professor e escritor Ebian Alabi Lucci, “hoje uma pessoa pode ter acesso num só dia a um número equivalente de informações que um sujeito teria a vida inteira na Idade Média.” O reflexo citado acima está na dificuldade de identificar o que é plausível do que não é.

Em 1920, o ácido e lendário jornalista norte-americano Henry Louis Mencken (1880-1956) escreveu que “esta profissão sofreu uma desagradável metamorfose nas últimas décadas. Houve um tempo em que o verdadeiro chefe de quase todos os jornais importantes era um jornalista praticante, que tinha orgulho de seu trabalho e uma honrosa reputação no ramo, pelo menos no local. Para o repórter mais jovem, este sujeito era um ídolo. Suas teorias sobre jornalismo eram ouvidas e citadas, seu estilo era imitado e todo foca na equipe queria seguir suas pegadas. Hoje, o verdadeiro chefe de um jornal tende cada vez mais a se tornar uma figura sombria nos bastidores, ignorante das tradições do jornal e do seu modo de pensar, e grosseiramente empenhado em empreitadas que colidem frontalmente com o que resta dos ideais deste jornal. Este homem está além do círculo jornalístico; nenhum jovem repórter sonha em seguir-lhe os passos algum dia; qualquer ambição de ficar como ele significaria abandonar de vez a profissão. A primeira consequência é a de que a profissão em si deixa de ser charmosa; já não é mais uma cooperação romântica entre pessoas livres e iguais, mas uma forma de trabalho parecida com a de uma oficina de laminação, tendo o sindicalismo como a única forma de torná-la suportável. A segunda consequência é a de que os homens que, no passado, entraram para a profissão com um alto senso de dignidade resolveram seguir outros rumos, enquanto o típico recruta de hoje é um jovem andrajoso e de oitava categoria, sem mais capacidade para o auto-respeito profissional do que um coletor de lixo”.

Geneton Moraes Neto, jornalista precocemente falecido no ano passado e autor de obras essenciais como Nitroglicerina Pura, Dossiê 50 e Dossiê Brasil, dizia que uma das funções do jornalista é desconfiar. Desconfio, porém, que boa parte deles sequer tenha ouvido falar nele.

 

Crédito da imagem: facebook.com/CenasLamentaveis

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