Relatos de coberturas esportivas em que o resultado do jogo é o que menos importa

Quando ocorrem eventos como a briga que sucedeu a vitória palmeirense sobre o Peñarol na Libertadores da América, todas as atenções se voltam aos jogadores em campo ou aos torcedores no estádio, quando a barbárie passa para as bancadas, o que também aconteceu no Campeón Del Siglo, em Montevidéu.

Uma das partes envolvidas no evento, porém, recebe pouca ou nenhuma atenção, e é justamente aquela que serve como olhos e ouvidos de quem não está in loco. O envolvimento da imprensa vai além da geração das imagens.

Thiago Ferri, repórter enviado pelo Lance! para acompanhar a partida, descreve o que viu das cabines de imprensa do estádio do Peñarol.

A briga foi surpreendente porque no jogo não houve problema nenhum, jogada ríspida ou provocação. O que houve foi um problema entre as torcidas no segundo gol do Peñarol, mas só. Quando eu olhei, vi o Felipe Melo recuando e todo o Peñarol indo pra cima. Pra gente que estava lá na cabine, a cena foi um pouco assustadora porque era muita gente indo pra cima de um jogador só e ele estava indo para uma posição em que ia ficar encurralado, na bandeira de escanteio. A sorte é que o pessoal do Peñarol parecia estar muito mais a fim de dar um susto do que realmente agredir, porque poderiam tê-lo agredido muito facilmente.”

Por estar na cabine, que fica distante do foco da confusão, Ferri e os outros jornalistas brasileiros que faziam a cobertura do jogo estavam seguros, mas a sensação é a pior possível. “Você olhava para trás do gol onde o Palmeiras atacou no segundo tempo e via uma briga gigante, com barulho de bomba, e uma batalha campal no gramado. Foi uma batalha em campo e uma guerra nas arquibancadas. Quem passou por isso e viu in loco vai guardar como uma recordação importante. Deu medo, assustou, mas foi uma noite bem intensa.”

Em situações como as que envolveram a confusão ao fim do jogo, o próprio trabalho de quem precisa informar com rapidez é prejudicado, pois o mote da notícia deixa de ser o resultado do jogo e passe a ter a briga como centro.
Eu estava com o texto pronto do jogo, que até então era normal. E aí você muda, tem que puxar por um novo gancho, que teve todo aquele histórico entre os times, o Mattos (Alexandre Mattos, executivo de futebol do Palmeiras) falando que era guerra, o Felipe Melo dizendo que ia dar tapa na cara de uruguaio se precisasse, coisas que todo mundo sabia que nem era muito o fator do jogo naquele momento. Ai tem que mudar texto, demora um pouco mais para publicar, faz basicamente uma nova versão em três ou quatro minutos, que é o tempo que você tem para processar e tem que publicar rapidamente a matéria para depois ir para as entrevistas dos jogadores.

E o relato tem que ser fiel aos acontecimentos. Além de descrever a pancadaria que acontecia dentro do gramado, é preciso estar atento para o pau que quebra na arquibancada. “O Felipe Melo dá o soco e tenta dar o segundo, mas o jogador do Peñarol (Matías Mier) desvia. Aí começou a batalha. O Palmeiras considera que foi premeditado porque seus seguranças estavam na entrada para o campo, mas não tinham acesso ao gramado. A porta estava fechada e havia um funcionário do Peñarol que não quis deixá-los entrar. Basicamente era isso: os jogadores presos no campo com os jogadores e a comissão técnica do Peñarol, todos querendo briga no campo. OS seguranças tiveram primeiro que tirar o tal funcionário da frente, abrir, forças a porta para poder entrar para defender os jogadores da briga e depois levá-los ao vestiário, onde as equipes saem juntas. Ali também teve confusão. Enquanto isso acontecia, começou a briga na torcida”.

E nas arquibancadas…

Foram jogadas três bombas no setor dos visitantes, uma depois do fim do jogo, e que a torcida do Peñarol conseguiu quebrar a grade que delimitava as duas torcidas. Nesse momento, quem estava lá conta que o pessoal da Mancha (Mancha Alviverde, principal torcida organizada do clube) protegeu e fez com que os uruguaios corressem dali, porque senão seria pior por eles estarem em maioria.

Quando era assessor de imprensa da Portuguesa de Desportos, Marcos Teixeira (Colunista do Linha Esportiva) passou por momentos de tensão em virtude da crise sem fim vivida pelo clube. Os problemas começaram antes do rebaixamento via STJD. “Quando a Lusa foi eliminada na Copa do Brasil pelo Naviraiense, em 2013, a torcida tentou invadir o vestiário. Quem conhece o Canindé sabe que é preciso passar pela área social para se dirigir das cabines para a sala de imprensa, e a torcida tem acesso livre àquele pedaço. Assim que acabou o jogo, eu já me dirigi para lá a fim de orientar os jornalistas que ali estavam para irem o quanto antes para dentro da sala, pois lá fora não seria possível garantir a segurança de ninguém. Para ajudar, estava sendo construída a loja oficial do clube e algum gênio deixou entulhos à mostra. Ouvimos uma sequência de socos e chutes na cerca metálica que tenta separar o vestiário da área comum do clube. Depois veio a chuta de pedras. Uma delas me atingiu de raspão na cabeça e eu não sei se estaria aqui para contar isso se eu estivesse um passo só à frente.

Quando o rebaixamento via tapetão foi consumado, havia uma equipe da Globo acompanhando de dentro do clube. O repórter era o Felipe Diniz, que hoje é correspondente do Sportv em Portugal. O jornalista teve que intervir para que a equipe não fosse agredida por alguns torcedores revoltados. “Quando acabou o julgamento, havia um pessoal assistindo e bebendo no bar da Sueca, que fica dentro do clube, e era justamente lá que a equipe do Sportv estava para acompanhar a reação dos torcedores (um caso típico de risco que não compensa para se ter a informação). Alguns queriam bater no Felipe (Diniz), como se fosse culpa dele o que estava acontecendo. Eu tomei a frente e quase apanhei, mas fui muito ameaçado por eles. Não poderia deixar que eles fossem agredidos. Chamei seguranças pelo rádio, mas estaria esperando até hoje caso lá estivesse”.

Comentários

comentário