Domingo, 4 de junho de 2017. Neste dia, a Portuguesa perdeu para o Villa Nova por 2 a 1 e chegou à última posição de seu grupo na Série D do Campeonato Brasileiro. Bobagem falar que é o pior momento da quase centenária história do clube. Também é besteira apelar para o passado glorioso, de jogadores disputando Copas do Mundo, das goleadas contra rivais, dos craques como Enéas e Dener. Bobagem. Isso pode ser visto a partir de qualquer busca no Google.

O que deveria ser visto, e é simples, é o espiral para baixo em que se meteu o clube do Canindé. Nem preciso falar da escalação de Héverton. Foi o clímax de uma morte anunciada, uma crônica de uma doença crônica chamada, como dizem os antigos, de desmazelo. À época, eu era o assessor de imprensa do clube (permaneci até agosto de 2015) e quando o Coritiba tentou fazer com que pontos fossem tirados por uma suspeita de haver mais jogadores emprestados do que permitia o regulamento, alertei: é só o começo. Vão procurar até encontrar.

E encontraram.

Quem não se encontra desde então é a própria Portuguesa. A briga contra a CBF, na qual não passava de um Exército de Brancaleone. A trágica retirada do time de campo na estreia da Série B, quando dominava completamente o Joinville em Santa Catarina, foi a pá de cal na sepultura, de onde uma mão rubro-verde buscava força para sair, após um Paulistão heroico, em que não cair foi um título e tanto.

Quando o técnico Argel recebeu a ordem para chamar seus comandados de volta ao vestiário, de onde não mais sairia, foi decretada a paixão lusitana. Era a Sexta-Feira Santa de 2014, mas não houve ressurreição. Houve, sim, um lento e agoniante velório de 38 rodadas e de corpo presente, um féretro do qual o cadáver insepulto resolveu se levantar e, desde então, vaga sem rumo, como os mortos na Antares de Érico Veríssimo.

A sequência foi aterrorizante: rebaixamentos, cassino clandestino estourado dentro do clube (e com a presença do presidente), penhora de rendas, processos na justiça, o mesmo presidente garantindo ter a informação de quem pagou para que o jogador fosse escalado e depois indo pedir desculpas sob a alegação de ter tomado um vinho forte. Falta de pagamento de parcelas de acordos trabalhistas, dívidas em forma de bola de neve, greve de jogadores, de funcionários. Perda da dignidade humana. Deterioração.

Quatro ou cinco técnicos durante o mesmo campeonato. 60 e poucos jogadores contratados em menos de 12 meses. Vi três treinadores sendo acertados no mesmo dia: um pelo diretor de futebol, outro pelo vice e outro pelo presidente (ficou o que se desligou do clube onde estava para acertar com a Lusa). E vi Rei do Acesso. E o milagreiro da Ilha do Retiro. Hipnólogo. Imagem de Nossa Senhora de Fátima jogada no lixo. Vi atletas disputando para ver quem levaria o pão com frios que sobrou na bandeja para casa. Ganhou o que disse que tinha filhos para alimentar. Vi renúncia atrás de renúncia, presidente-jornalista que criticou no ar o time que ele mesmo havia montado. “Competitivo”. Este era o mantra da gestão em um certame no qual o time quase foi despromovido ao terceiro escalão do futebol estadual, com direito à derrota em casa para o Botafogo por 5 a 0. Consultor famoso a custo zero, mas que não era consultado para nada. Falácia. Mixórdia. Morte lenta de dolorosa.

E vi gente abnegada, tentando erguer, ou salvar, o que restou do clube. A eles, alguns até amigos, meu respeito.

Não se enganem; faça o que fizer, a Portuguesa só começará a sair do limbo em que se encontra no dia em que exorcizar seu maior fantasma. No dia em que terminar de uma vez por todas o ano de 2013. Até lá, empresa nenhuma quererá ligar sua marca à imagem de um clube destruído de fora para dentro, frágil como uma construção haitiana ante o terremoto que a destruirá.

Só depois disso é que será possível retomar alguma coisa. Até lá, virar Juventus terá sido lucro. Até lá, o samba do mestre Cartola cairá como uma luva para o fado lusitano: “Em cada amor tu herdarás só o cinismo, quando notares, estás à beira do abismo. Abismo que cavaste com seus pés”.

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