por João Gabriel Falcade

Dia desses, assisti ao filme “Dois Coelhos”, uma produção da dramaturgia brasileira, um longa que contou com rara felicidade ao contar a história de um rapaz que tem a chance de mudar o futuro daqueles que o cercam, como se pudesse dar segundas-chances a todo mundo, como se, lentamente, fosse colocando as coisas nos trilhos antes de sair de cena. É obvio que não contarei a vocês exatamente o que fez com eu chorasse copiosamente com a história, mas o fato de chorar já diz muito, certo? Pois bem, o filme eu deixo para vocês verem, mas onde chegaremos com isso em um texto sobre esportes? Vem comigo.

Algumas vezes na sua vida, aposto, já te disseram: “ah, a vida imita a arte, ou a arte imita a vida”. Aquelas filosofadas bêbadas e equilibradas, como disse certa vez a querida Elis. Não sou eu quem vai julgar a ordem dos fatores, mas o basquete teve noite de Oscar, de Grammy, de fantasia e loucura. Um roteiro minuciosamente confeccionado pela vida, por aqueles Deuses que se escondem atrás das grandes histórias.  No filme, constroem-se heróis, mas no basquete, o herói é quem se forja nas próprias competências. É quem escreve seu roteiro, é quem altera o mundo a sua volta, é Kobe Bean Bryant.

Era final de 2015 quando eu estive no meu sofá, em uma tarde modorrenta, com o sol explodindo meu tédio e com o santo Netflix assisti ao filme que baseia esse texto. Foi uma senhora experiência. Fiquei o resto do dia martelando sobre como poderia alguém mexer tanto com o próprio destino, ser tão capaz de dar uma nova perspectiva a tudo. Uma semana, impossível esquecer, li, em uma notinha de Twitter, que Kobe anunciara sua aposentaria do basquete. Fiquei desconfiado. Seria, deveria ser, só mais um boato de rede social, aquela selva de likes. Não era. O que viria nada mais era do que um exemplo real e comprobatório que é possível alterar os rumos da própria sentença. Aquela história da arte, lembra?

Na carta em que confirmava sua saída definitiva das quadras como profissional, Black Mamba dizia que ainda lhe restavam quatro meses e meio até o cotejo final. Estava alí, mesmo fora do certame que lhe fez genial, uma das atitudes mais espetaculares que o nosso eterno camisa 24 teria. Na hora, talvez não tenhamos notado a grandeza do ato, mas, depois de noite do dia 14/04/16, temos a certeza plena que Kobe tinha o roteiro divino debaixo dos seu braços tão talentosos. Ele sabia como e porque deveria nos dar a segunda chance.

Todos os jogos pós anuncio de Mr Bryant foram como um final de filme onde todos conhecemos o final, mas que sentamos, compramos a pipoca e choramos, como fiz em Dois Coelhos, como cada momento. Não importava o momento, não importava o porque do jogo, onde Kobe foi, as homenagens, as reverencias, a idolatria foi renovada. Ele deu a chance dos rivais o olharem de outra forma, esquecerem do inimigo e curtirem a lenda, VIVA. Muito melhor que amar alguém após perde-lo, é a chance de compartilhar o sentimento com quem pode sentir, pode aproveitar. Os meses de aviso que Kobe nos deu foi a segunda chance que eu fiquei tão tocado em ver no filme. Foi mais um game winner.

Os filmes costumam acabar com aquela sequencia em que tudo acontece, que as dificuldades são batidas, que as cenas tem magia, que as coisas são como Deus duvida. O último jogo de Kobe é pior. Ele é muito mais mágico, melhor que qualquer roteiro. É como ele, melhor em tudo. Dentro da sua casa, diante de seus amigos, da sua mulher, de suas duas filhas, com sua armadura de guerra, com seu talento. Com seus 60 pontos, algo que havia feito uma dezena de vezes na carreira, algo que, nem perto havia chegado nos últimos três, quatro anos de carreira. Foi cinematográfico. O mundo estava lá, apenas esperando o final triunfal disso tudo.

Em Dois Coelhos, há uma frase que significa toda a historia: “bem vindos ao meu plano”. Hoje, sentado em sua casa, com aquele gelo nos ombros e respondendo aos amigos no whats, revendo seu nome sendo alçado à categoria de lenda, ele deve pensar, aos risos: “bem vindos ao meu plano”. Foi um prazer ser parte do seu plano, Kobe.

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