Pela segunda Copa do Mundo seguida, a Bélgica chegou como candidata ao título. Com jogadores sendo destaques nos melhores clubes europeus, não era pra menos. Cortouis, Kompany, Alderweireld, Vertonghen; Carrasco, Witsel, De Bruyne, Meunier; Mertens, Hazard e Lukaku. Quem acompanha futebol europeu, sabe: é uma escalação que impõe respeito.

Por esse motivo, claro, a expectativa que era alta já em 2014, só aumentou pra 2018. E com ela, a desconfiança. Dos próprios belgas, que esperavam um técnico melhor do que o “mediano” Roberto Martinez, após a saída de Wilmots. Dos brasileiros, mesmo aqueles que trabalham no meio do futebol, apenas para desdenhar de quem acompanha e aprecia o futebol europeu. A campanha praticamente irretocável dos “Red Devils”nas Eliminatórias Europeias e a fase de grupos tranquila não foram suficientes. Todos ainda queriam ver a “ótima geração belga” se impondo em uma partida extremamente importante a nível mundial. E desde o sorteio dos grupos do Mundial, pra muitos, o desenho do confronto contra o Brasil, nas quartas-de-final, era o desafio perfeito. Pode até ainda ser. Mas os belgas já merecem um certo crédito.

Explico: Roberto Martinez mudou a maneira da Bélgica jogar. Saiu do 4-3-3 de Wilmots e ousou no 3-4-3, extinguindo o que a Bélgica (e o Mundo, com exceção do Brasil), pior produz: laterais. Meunier virou ala e a lateral esquerda, antes disputada pelo zagueiro Vertonghen e pelo pouco confiável Jordan Lukaku, foi ocupada pelo meia esquerda Carrasco. Com isso, os belgas conseguiam colocar em campo tudo que de melhor tinham nas mãos, em questão de talento técnico. Ou quase tudo. Radja Nainggolan, antes na Roma e agora jogador da Inter de Milão, sempre foi preterido pelo técnico espanhol e ficou de fora da Copa. E ah, como faz falta…

Nesse novo esquema, Kevin De Bruyne foi recuado para uma espécie de segundo volante, mas com uma função defensiva apenas para ocupar espaços. Os três zagueiros, físicos e de boa técnica, dão fluidez á saída de jogo. E o ataque é letal, conseguindo, na maioria das vezes, dominar o adversário, sufocando no campo de ataque. Só que tudo isso tem um preço.

Com uma intensidade de jogo “de Ozil”, mas uma visão de campo de craque, KdB tem a responsabilidade de cadenciar e conduzir a partida à sua maneira. Contra equipes menores, funciona: ele chega de trás, sem marcação individual e consegue ter a visão para encaixar os passes verticais que são sua característica. Mas a recomposição defensiva é extremamente lenta. Lenta também é a defesa belga, que, sem a proteção necessária nos contra-ataques, mostrou fragilidade contra Tunísia, Panamá e, pior, contra o Japão.

Na partida de hoje, uma falta de intensidade atípica pra uma Copa do Mundo, com uma aparência até de soberba, fez os japoneses irem para o intervalo esperançosos. E voltarem dele fatais. A equipe de Akiro Nishino soube explorar as fraquezas nítidas do adversário pra fazer dois a zero em seis minutos de segundo tempo. Lentidão da defesa, contra atacada no gol de Haraguchi. Marcação espaçada no meio de campo, com De Bruyne assistindo a bela batida de Inui. A “geração raiz”, aquela que acha que tudo que é moderno ou europeu é ruim e tenta diminuí-los a qualquer custo, esfregava as mãos. Mas é Copa do Mundo, amigo…

Com a eliminação iminente, finalmente os “Diabos Vermelhos” apareceram e mostraram o que duvidávamos: sim, eles tem coração. O poder de reação foi acima das expectativas. Martínez não ousou ao colocar Fellaini e Chadli, além de manter os três zagueiros, mas suas substituições surtiram efeito. O gol sem querer de Vertonghen (com a falha de Kawashima) recolocou o time no jogo. A cabeçada de Fellaini escancarou o retorno dos belgas e a inocência dos japoneses, que não souberam manter a vantagem. Inocência que voltou a aparecer no último lance. Um cruzamento da seleção mais baixa na área da seleção mais alta. Um contra ataque cedido aos 49 do segundo tempo, empatando uma partida mata-mata. O alívio para os belgas – e castigo para os Samurais Azuis – veio na visão de De Bruyne, a chegada de Meunier, a inteligência de Lukaku e a estrela de Chadli. Classificação assegurada.

A Seleção Brasileira no caminho dos belgas será a primeira oportunidade dessa geração se provar. Diante da maior de todas, dificilmente os Red Devils repetirão a apatia demonstrada frente aos japoneses. Soberba, muito menos. Roberto Martínez provavelmente não manterá essa escalação ofensiva e descuidada contra a Seleção que melhor explora os espaços entre meio de campo e defesa no Mundo e a preguiça deve ser deixada de lado por jogadores que querem provar serem tudo aquilo – e muito mais – o que falam. Ainda assim, o Brasil é favorito. Pela bola jogada, pela camisa, pelo histórico, pela experiência. Mas será um jogo completamente diferente de todos que vimos desta “ótima geração belga”. Que a semana passe rápido, porque a sexta-feira promete.

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