Uma das marcas mais fortes na cultura brasileira é a escolha do time para torcer. É razão de orgulho do pai passar o amor pelo time do coração para o filho. É quase um evento quando a previsão feita no nascimento se confirma e o pai, geralmente, passa a ter no herdeiro seu companheiro de arquibancada.

Existem diversas maneiras de se cativar o novo torcedor, sendo duas as principais: influência da família e sucesso da equipe no período em que o futuro torcedor está decidindo que emblema cobrirá seu peito, além de outras, que são subjetivas, como um determinado jogador no time, a beleza ou as cores da camisa, uma partida histórica ou uma virada épica.

No entanto, um fenômeno recente pode ser observado. Agora existe a concorrência com o futebol da Europa. Colaboram para aumentar a torcida deles aqui a chegada de craques “puxadores de torcida”, além de títulos, muitos títulos, e a exposição da marca.

Por pura incompetência e falta de visão da CBF, que mal e porcamente dá atenção à Seleção, o Campeonato Brasileiro não é consumido fora do país, também pela falta de qualidade da competição. Quando um campeonato é transmitido e tem uma boa resposta, equipes menores, menos midiáticas ou que poucas vezes levantam taças acabam angariando torcedores longe de suas fronteiras, como acontece com o Tottenham ou o Borussia Dortmund. Assim, mercados deixam de ser explorados pelos clubes brasileiros, que nunca jogam em pontos estratégicos e com potencial absurdo de serem explorados, como China e Japão, países onde a Seleção Brasileira é idolatrada. Mauro Cezar Pereira tem um relato interessante sobre isso, que foi publicado em meados de 2013 no seu blog no site da ESPN.

O marketing esportivo brasileiro está na idade da pedra lascada e, quando muito, limita suas ações a lançamento de camisas e tour pelos estádios ou programas de sócios-torcedores. Nem se compara com o que é feito no Velho Continente, inclusive com excursões para expor a marca, que é ativada constantemente.

Em 2012, o Sportingintelligence.com divulgou uma pesquisa com os 10 maiores vendedores da camisas do planeta. Nenhum, obviamente, era brasileiro, apesar de nenhum dos quatro países apontados no levantamento ter mais habitantes que este país-tropical-abençoado-por-Deus.

No começo de 2017, o Datafolha fez uma pesquisa e quase 1/4 dos entrevistados se declarou sem time. Daniel Bortoletto, colunista do Terra, escreveu em sua coluna sobre o assunto: “Tenho dois filhos em casa, com 10 e 8 anos. Semanalmente, eles se encontram com os amigos e as amigas do condomínio para o “Futesunday”. E maioria esmagadora veste camisas de clubes europeus e não apenas dos gigantes midiáticos. Há espaço para PSG (FRA), Borussia Dortmund (ALE), Roma (ITA), Atlético de Madrid (ESP). Nem sequer a Alemanha, aquela do 7 a 1 sobre o Brasil, passa em branco”.

Os ídolos dos brasileiros na faixa de 15 a 20 anos estão lá fora. O jogador permanece uma ou duas temporadas no clube e sai, não cria uma identificação. Nos anos 1980, os principais jogadores do país saíam após os 25 anos, isso quando saíam. Zico deixou o Flamengo após 13 temporadas; Enéas jogou quase 10 anos na Portuguesa; Careca foi para o Napoli depois de nove temporadas no Brasil; Sócrates já tinha 30 anos quando foi para a Fiorentina. Além do mais, muitos garotos nascidos aqui têm como ídolos os craques de fora porque no Brasil não há este apelo, porque Neymar é o único craque de uma geração inteira que jogou mais de três anos no Brasil, sem contar que, dos maiores jogadores do mundo, apenas um é brasileiro. Isso faz com que vejamos meninos que têm, como ídolos, Cristiano Ronaldo e Messi.

Existe quem torcia para o Santos quando Neymar estava lá e depois parou de torcer quando ele saiu porque não houve tempo de maturação, outro fator importante para formar a torcida, principalmente no caso dos times que não conquistam grandes títulos frequentemente. Até clubes estrangeiros que tinham muitos admiradores em terras tupiniquins podem observar a diminuição de suas camisas circulando pelas ruas. O Milan é o maior exemplo deles. Potência mundial quando os euros de Berlusconi recheavam seus elencos de craques, os rossoneri perderam espaço a partir do momento que a torneira secou e a equipe ficar quase uma década longe das grandes conquistas.

Tenho quase 40 anos. Minha geração decorava as escalações, que eram mantidas por uma ou duas temporadas, e criava-se o vínculo com o ídolo. O baixo nível do futebol praticado por aqui também não favorece a formação de uma nova torcida nos mesmos moldes de como era, ainda mais com facilidade para acompanhar o futebol do exterior, que aumentou demais nos últimos anos com a velocidade da internet e a alta exposição nos canais de TV fechados. Quando garoto, acompanhava o futebol do Velho Mundo pela Revista Placar ou quando algum campeonato era transmitido na TV Bandeirantes, como era o fantástico Campeonato Italiano nos anos 1980, ou o alemão na Cultura, isso já nos anos 1990, mas eram ações isoladas. Campeonatos como o inglês, que engatinhava como liga e era terrivelmente ruim, e o espanhol nem sonhavam em ser transmitidos no Brasil.

Hoje é tão fácil assistir a um jogo do Barcelona quanto a um do Corinthians. A única diferença é que fisicamente o novo torcedor não está no estádio, mas qual é o problema nisso? Ele aprendeu a torcer de um jeito diferente, com internet, pelas redes sociais, em que o gramado concorre pela sua atenção com a tela do celular.

Proporcionalmente, ainda é pequeno o número de adeptos que preferem levar um emblema estrangeiro no peito, mas é uma tendência a ser vista com cuidado, pois daqui a 20 anos pode ser que o menino que escolha torcer pelo time do pai, que é o mais bonito dos mundos, será filho de um torcedor de um Manchester City.

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