A década de 40 marcou a volta do Brasil ao cenário internacional, com a participação decisiva na 2ª Guerra Mundial. Com a iminente bipolarização mundial, era necessário aproximar o país dos Estados Unidos, e para isso, apareceu uma personagem que seria a o estereótipo do Brasil: José Carioca. A “homenagem” feita pela Disney incluía um papagaio verdeamarelo, malandro, sem escrúpulos, egoísta, mulherengo e pouco adepto ao trabalho e à vida honesta.  Daí em diante, a expressão “jeitinho brasileiro” foi personificada no papagaio, e exaltada sempre que possível, virando sinônimo de qualquer tipo de falcatrua com a qual fosse possível tirar algum tipo de vantagem.

Feita essa pequena introdução histórica, vamos ao presente. Se olharmos o dicionário Aurélio, encontramos que Ética é “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade”. De acordo com o filósofo Mario Sergio Cortella, a ética aparece com a resposta a três questionamentos sobre determinado fato: Quero? Devo? Posso?

O caro leitor deve estar se perguntando se entrou no link correto, afinal, num site esportivo não deveria ser o lugar de discussões históricas e filosóficas a respeito da ética e dos valores que norteiam decisões e atitudes humanas. E infelizmente devo concordar com aqueles que duvidam do fato de estarem lendo o artigo correto. Não deveria ser necessário discutirmos esses assuntos, afinal, as noções primitivas de esporte incluíam a noção de cultuar deuses pagãos e mostrar superioridade física dentro de regras previamente estabelecidas. Mas um fato ocorrido no jogo entre São Paulo e Corinthians mostrou o oposto.

Com o jogo já sendo vencido pelo Corinthians por 1 a 0, em pleno estádio do Morumbi, uma bola disputada na área tricolor pelo atacante Jô e o zagueiro Rodrigo Caio, acabou com um pé que acertou o goleiro Renan Ribeiro, que caiu como se tivesse sido fuzilado. O juiz Luiz Flávio de Oliveira, mal posicionado, observou falta do atacante em cima do goleiro e o puniu com cartão amarelo, o que tiraria o centroavante do jogo da volta, no próximo final de semana. Eis que, em meio ao cinismo disfarçado de Fair Play que cerca o futebol atual, surgiu um verdadeiro ato de jogo limpo, que merece ser elogiado quantas vezes for necessário, embora não deveria ser algo tão inédito assim. Rodrigo Caio chegou até o árbitro e o alertou de que tinha sido ele quem acertara o goleiro do São Paulo e que, por isso, o cartão recebido pelo atacante Jô não tinha sido justo. O juiz imediatamente agradeceu o gesto do são paulino e retirou o cartão amarelo do centroavante corinthiano

O que deveria ser algo normal do esporte, e faz tempo que deixou de sê-lo, deu lugar a algo ainda mais absurdo do que o espanto diante do óbvio. Uma enxurrada de críticas de idiotas disfarçados de torcedores e até mesmo de jogadores que se dizem líderes do elenco (como é o caso do supervalorizado zagueiro Maicon) caíram sobre aquele que simplesmente fez aquilo que deveria ser feito. Pessoas que saem às ruas levantando bandeiras de luta contra a corrupção, e criticam abertamente os supostos políticos desonestos. O professor e historiador Leandro Karnal disse uma vez que “não há governo corrupto com povo honesto, nem governo honesto com povo corrupto”. O futebol é apenas um microcosmos de uma sociedade em que honestidade e ética passam longe e o torcedor se vangloria daquele que consegue cavar pênalti ou até mesmo fazer com que um jogador adversário seja expulso simulando uma agressão ou induzindo o juiz a dar cartão para o jogador errado. Na mesma semana em que tivemos a inédita simulação de um gandula tentando cavar a expulsão de um chileno na Sulamericana, despedido como heroi pela torcida, uma luz brilhou no fim do túnel. A malandragem e o jeitinho brasileiro, a ética e honestidade no esporte, a formação moral de toda uma sociedade estão em discussão na mídia, e desta vez, por um ato correto. Maquiavel nunca disse que o fim justifica os meios, mas infelizmente isso virou bordão de todos aqueles que querem fazer algo que não é correto. Desta vez, “quero, devo e posso” estiveram acima dos tais meios, e isso merece ser exaltado. Parabéns, Rodrigo Caio, de todos os carrinhos da sua carreira, nenhum foi melhor do que este, que foi dado em Zé Carioca e todos aqueles defensores da desonestidade.

 

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