Frantisek Rajtoral teve uma carreira de sucesso. Foi destaque na lateral-direita do Viktoria Plzen, maior clube tcheco da atualidade, o que o fez ser convocado 14 vezes para a seleção de seu país. Participou da boa campanha da Euro-2012, onde a República Tcheca atingiu as semi-finais e, em 2016, assinou contrato com o Gaziantespor, da Turquia, em um novo desafio na carreira. Sua trajetória, porém, foi interrompida precocemente na noite de anteontem, 23 de abril. Aos 31 anos, Rajtoral foi encontrado morto em seu apartamento. Ibrahim Kizil, presidente do clube turco e que esteve no local junto às autoridades, confirmou: o lateral cometeu suicídio. O caso escancara, mais uma vez, a gravidade da depressão no meio do futebol, doença ainda tratada com descaso por parte da sociedade e também dos clubes.

“Mais uma vez” porque o problema não é novo e nem desconhecido. Em 1987, Castilho, ex-goleiro do Fluminense e da Seleção Brasileira, cometeu suicídio por não querer voltar a ser treinador na Arábia. Ele esteve em todas as Copas entre 1950 e 1962, sendo titular em 54. Não foi o suficiente para ligar o sinal de alerta. Só em 2009, quando Robert Enke, goleiro alemão com passagens pela seleção de seu país, suicidou-se aos 32 anos, que o problema da depressão despertou as autoridades do futebol para a gravidade da doença nos jogadores profissionais e desencadeou estudos feitos pela FIFPro (Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol). Em 2013, a pesquisa revelou que mais de 10% das mortes de jogadores estão relacionadas ao suicídio. Na pesquisa mais recente, em 2016, o sindicato divulgou que 38% dos 607 jogadores em atividade e 25% entre os 219 ex-jogadores disseram ter sofrido de depressão ou ansiedade nas quatro semanas anteriores a que foram entrevistados (Leia a matéria completa do jornal O Globo AQUI). A FIFPro também preparou e distribuiu mais de 10 mil livros-guia para atletas profissionais explicando os sintomas dos distúrbios mentais mais comuns entre os jogadores, como forma de conscientização e prevenção.

O chefe médico da FIFPro e ex-jogador de futebol profissional Vincent Gouttebarge explica que os esforços estão sendo redobrados, mas que ainda não é o suficiente. “Todo ano monitoramos as mortes dos jogadores em atividade e aposentados, mas é difícil especular a causa de cada uma delas”, contou ele ao jornal britânico The Guardian. Gouttebarge, porém, afirma que o sindicato nada pode fazer quando os clubes não preparam seus jogadores para o sucesso e a pressão de ser um atleta profissional de futebol.

No Brasil, vários casos de jogadores que já sofreram com a doença vieram à tona. Pedrinho, Thiago Ribeiro, Cicinho, Leonardo e Jardel são apenas alguns dos muitos atletas que superaram a depressão e contam suas histórias de superação com orgulho – e também como forma de prevenir que aconteça a outros jogadores o que aconteceu com eles. Kátia Rubio e Suzy Fleury, renomadas especialistas na área da Psicologia Esportiva, contam que já se depararam com jogadores sofrendo de depressão profunda, e que esses casos não devem ser confundidos com simplesmente um momento de tristeza. Elas citaram, em entrevista ao UOL,  que dificuldades em se adaptar a um país ou clube, calendário puxado, atraso de salário, más condições de trabalho e lesões, além de fatores externos como problemas familiares, podem deprimir um atleta. (Veja a matéria completa AQUI).

Ex-jogador Pedrinho superou a depressão: “Achava que era frescura antes de passar por isso”, comentou ao site UOL

O problema é a desinformação que ainda circula. Para muitos, a depressão ainda é tratada como “frescura” – o próprio ex-jogador Pedrinho assumiu pensar assim na entrevista concedida ao UOL citada acima – ou como “falta de Deus” ou “religião”.

No caso dos jogadores de futebol, a situação se agrava: por serem renomados e ganharem salários altos, o julgamento da sociedade acaba sendo muito mais forte e evidente. Para esse cenário mudar, as pessoas necessitam entender que o transtorno mental não escolhe classe social, idade, gênero e nenhuma outra característica humana para agir. A depressão é desencadeada por diversos fatores, inclusive podendo ser genética, que acarretam em sensações físicas incômodas, dificuldade em realizar atividades corriqueiras até mesmo as prazerosas.

Segundo o site do Dr. Drauzio Varella, a depressão é uma patologia que atinge os mediadores bioquímicos envolvidos na condução dos estímulos através dos neurônios, que possuem prolongamentos que não se tocam. Entre um e outro, há um espaço livre chamado sinapse, absolutamente fundamental para a troca de substâncias químicas, íons e correntes elétricas. Essas substâncias trocadas na transmissão do impulso entre os neurônios, os neurotransmissores, vão modular a passagem do estímulo representado por sinais elétricos. Na depressão, há um comprometimento dos neurotransmissores responsáveis pelo funcionamento normal do cérebro. Como podemos ver: não, não é frescura.

Leia mais: Depressão é doença que precisa de tratamento

Os transtornos mentais, inclusive, foram o centro das atenções nas redes sociais, após a “viralização” da série “13 Reasons Why” (“Os Treze Porquês”, em português) e do jogo “Baleia Azul”. Apesar de serem dois maus exemplos de como tratar a depressão, (a série por ser superficial e o jogo por incentivar adolescentes a cometerem suicídio) os casos podem e devem suscitar na população uma avidez por informações mais embasadas, com a intenção de ajudar as pessoas que passam por depressão. É dever das grandes mídias também transmitir esse conhecimento e tirar a visão estereotipada, antiquada e equivocada sobre o tema que ainda circula.

A morte de Rajtoral é trágica, mas serve como mais um alerta para os clubes e também para a sociedade. Levando os transtornos mentais a sério, com mais informação e menos julgamento, podemos evitar que casos como o do lateral se repitam.

Leia mais sobre o tema: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2015/11/06/psicologas-explicam-o-que-ha-por-tras-da-depressao-em-jogadores-de-futebol.htm

O CVV – Centro de Valorização da Vida http://www.cvv.org.br/ – realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email, chat e Skype 24 horas todos os dias.

 

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