De um torcedor qualquer, 

 

Daqui a pouco, terei 60 anos. Não vai demorar tanto tempo e terei um moleque de 20 e poucos pra conversar sobre os assuntos da vida e para admirar que um jovenzinho de 3, 4, ainda sorrindo pra vida como quem acaba de chegar, que tem felicidade nas coisas mais simples, num sorriso babão desses menos jovens que vieram antes. 

Quando eu tive 20, o assunto era futebol. O meu velho, já reticente, dizia: “te cuida, isso não vale a pena”, mas não demorava a estar lado a lado comigo nos primeiros minutos de uma peleja qualquer. A camisa que nos unia era muito mais forte que as desilusões que ele passara. Dividia comigo as lágrimas que um dia dividiu com meu avô. Herança de paixão. Imensurável de tão linda. 

Passados 20 minutos, ele já desistia. Preferia dormir. Preferia rever alguém querido, dar uma volta por aí. Ver as coisas genuínas. Genuinamente, eu seguia, com fé que aquilo valia o meu amor. Ele, honesto, me aconselhou, mas eu, intuitivo, moleque, recusei. Pai, me deixou voar. Ônibus, carro, avião, perigrinações, mochilas, filas, porradas, polícias, barragens, ignorância, desordem, cavalos, bombas, tiros. 

45 minutos antes de uma final acontecer, de rosto suado, corpo cansado e medo diamantes, o telefone toca: “tá tudo bem?” “Tá sim, vou entrar”. Entrar pra onde, não sei. Não foi tão bonito como era na minha cabeça. A televisão engana em muitos aspectos, ludibria, embebeda, fantasia, disfarça. Distorce. Torci como nunca, mas tinha coisa errada. Aos olhos de todos, também, mas o que poucos viram é a pior parte. 

O barulho das redes se entrelaçando ao chute foi a penalidade mais cruel que fica na lembrança bola e campo. Três passos depois, mais um telefonema, poucas palavras trocadas, um prelúdio da desgraça. Seres vivos nada humanos derrubando grades, estourando catracas, lacrimejando olhos de pequenos que tem 6 anos, como eu tinha. 

Tão cedo e o fantástico mundo da paixão deles já tinha acabado. Eu ainda tive anos a mais para cultivá-la. Minha mãe, calejada, odeia. Está certa. Ambiente em que mulheres, as mais honestas, são objeto da mais pura crueldade. Como podem? Como pudemos chegar nesse ponto. Como esse telefone toca tanto? Os 60 anos ensinaram muito. 

Lá fora, mais bomba, mais correria, uma cena do pior filme que nos faz agarrar as mãos sobre as cadeiras, sentir péssimas sensações sentados. Em pé, correndo rua abaixo, só os sons, os cavalos, os escudos polícias. Tropas. Um choque sem fim. Finalmente, quando eu tiver meus 60, sentado com os mais novos, falaremos que, lá atrás, existia um tal de futebol. 

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