O racismo é um problema social que atinge várias partes do mundo. Como todos os problemas sociais, eles refletem no futebol, um mini cosmos do que vemos na sociedade. No caso mais específico do esporte, dá pra dizer que temos progredido na luta contra este mal, mesmo que de maneira lenta. Punições a envolvidos em casos de racismo, com divulgação nas grandes mídias, identificação de criminosos, uma FIFA tentando ser mais presente no combate ao preconceito… E ainda assim eles acontecem. Foi assim com Matuidi, na Juve. Com Mané, do Liverpool, na Rússia. Com Vinicius Junior, aqui no Brasil. Com Dani Alves, na Espanha. Babacas travestidos de torcedores que vomitam um ódio de difícil compreensão, apenas com a intenção de ofender o jogador pela cor da pele. Todos ganharam repercussão na mídia, com amplo espaço de voz pros jogadores e, felizmente, condenando os criminosos racistas. Mas e quando esse racismo não é declarado, apenas perceptível? Foi o que aconteceu neste final de semana em Liverpool.

Evra estava voltando a jogar em Anfield depois de um bom tempo. Como ex-jogador do Manchester United, e ídolo dos Red Devils, era natural uma recepção nada amorosa contra ele. Vaias, “motherfuckers” e tudo mais. Só que o histórico pesou. Evra esteve envolvido em muitas brigas e polêmicas na carreira. Eu o considero, inclusive, como um dos jogadores mais sujos do futebol atual, pela falsidade nas entrevistas e as atitudes dentro e fora de campo.

Em 2013, então atuando pelo Manchester United, ele fez duras condenações a Lizarazu e Luis Fernandez, críticos de seu futebol, em entrevista à rede de televisão TF1. “Minha imagem pública é boa. Não serão esses vagabundos que vão manchá-la”, comentou, na época. “Não sou arrogante, apenas verdadeiro. Essas pessoas nunca terão as mesmas honras que eu, até porque nunca ganharam nada”, completou. Anos antes, Evra foi considerado um dos líderes da motim que culminou na péssima campanha da seleção francesa na Copa do Mundo de 2010 e na demissão de Raymond Domenech do comando dos “Bleus”. No ano passado, ele agrediu um torcedor do Olympique de Marselha antes de uma partida contra o Vitória de Guimarães pela Europa League.

Ok, são muitas polêmicas, você entendeu… Mas a de maior repercussão aconteceu em 2011 e envolveu os reds, citados acima. Num clássico entre Liverpool e Manchester United, Evra e Luis Suárez, hoje no Barça e então no clube inglês, se estranharam durante toda a partida e trocaram ofensas. Ao final do jogo, o francês relatou ao árbitro que teria sofrido uma ofensa racista. Posteriormente, Suárez assumiu que havia discutido com Evra, mas garantiu que ter o chamado de “negrito de m..” não era racismo no Uruguai. A Federação Inglesa (assim como o resto do Mundo) considerou que havia sim sido racista e puniu o uruguaio com oito partidas de suspensão e multa de quase 200 mil libras. Aí, um fenômeno aconteceu: a torcida do Liverpool se revoltou contra o Evra, pelo francês ter exposto uma situação “de jogo” e causando uma punição que, inclusive, prejudicou o Liverpool na temporada do vice-campeonato em 2012/2013 (Suárez não jogou os primeiros jogos naquela temporada). Mas nada disseram sobre a ofensa racista de seu jogador. Um silêncio que incomodou.

Sim, em uma discussão de jogo existem ofensas normais. Chamar de “negrito de m..” não é uma delas. Suárez errou e foi justamente punido. Porém, quase sete anos depois, Evra retornou ao Anfield e a torcida mostrou que não esqueceu daquele episódio. Vaiou, xingou, ofendeu. E um canto em especial chamou a atenção. O de “Luis Suarez”. No Barcelona há quatro temporadas, é normal o uruguaio ainda ser ídolo do clube após a espetacular passagem que teve. Mas daí a cantar o nome dele para um jogador com quem ele foi racista, já é demais. Uma bola fora gigantesca de uma das torcidas mais respeitadas e apaixonadas do mundo. Não é engraçado, não é bacana provocar um jogador com um histórico desses. Conivência com racismo, pra mim, é racismo velado. E isso também incomoda demais.

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