Contratar o meia mais disputado da janela de transferências é um baque de mercado. Você desmonta esperanças de outros clubes, monopoliza talento e escancara, ainda mais, seu modo predatório de agir. O Palmeiras foi ardiloso, no melhor sentido, em tirar suas armas das miras adversárias e retornar aniquilante quando se amornava o caso em meio às ações medrosas e cheias de cautela (fragilidade) de quem concorria. Não deixa reagir, mal se vê e está finalizado.

Não bastaria. Dudu foi um caso ainda mais impactante. Abalou o futebol brasileiro de forma inesquecível porque foi além dos números e de um adorno dos anos 80, foi um ponto de mudança nas quatro linhas. Decidiu, representou, pintou e bordou onde lhe cabe e onde mais afeta quem desdenha: na bola. Gustavo tem que se livrar dessa mesma carga, é a tarefa que vem depois da eufórica confirmação. Sabe como? Se liga!

O Palmeiras vem de três anos de reconstrução e estabilização como time capaz de encabeçar qualquer campeonato e ao longo desse tempo, as escalações se alteraram de muitas maneiras, mas com um ponto em comum que, passa ano, entra ano, incomodou a nada acomodada arquibancada alviverde: a criação de jogadas.

2015, inicio de campeonato paulista, Oswaldo de Oliveira manda para o campo a seguinte montagem de meio campo: Gabriel e Renato como volantes, Robinho como meia central, Allione e Maikon Leite pelas pontas e Leandro Pereira como referência. A criação se concentrava em um homem apoiado por velocidade lateral, profundidade e bola alçada pra área. Time vertical de pouca posse e muita reação.

Ao longo do ano, a função central alterou nomes como Valdívia e Cleiton Xavier ensaiando jogarem juntos nas quartas de final do campeonato, em casa, diante do Botafogo/SP, mas a proposta durou poucos e ineficazes minutos em campo.

O time que encerrou a vitoriosa campanha na Copa do Brasil teve Robinho, Dudu, Jesus e Barrios em campo. Um primeiro momento com um dos pontas que auxiliava a criação, mas ainda seguia o instinto de profundidade. Além de que Gabriel Jesus esteve mais dedicado à definição, como nove que de fato viria se tornar. Ainda que campeão, faltava qualidade no trato com a bola. As ligações diretas eram a marca daquele time.

O ano do campeão brasileiro não merece maiores análises até o meio do ano. Pura tragédia. O excelente time formado por Cuca se forja para aquele campeonato e age como seu treinador, sorrateiro, curto e objetivo. A bola não parava. Moisés e Tchê Tchê, dois volantes com bom uso do passe, foram a alma do meio campo que abastecia os pontas (e craques daquele ano) Dudu e Roger Guedes, com Jesus na referência.

Era o time mais veloz possível, time que anotava seu tento e impedia o resto, era dedicado, mas que passou muito apuro em um segundo turno que lhe exigia criar, achar espaços. Não havia quem fosse constante na arte de armar. Cleiton foi quem melhor tentou lampejos (relevantes) ao longo da jornada. O que era bom, poderia melhorar. Menos transpiração e mais criação.

O novo ano abria horizontes de muita esperança com a chegada de Guerra, de Hyoran e Rafael Veiga. Eram meias, eram capazes de oferecer cadencia e rotação. Foi um insucesso. o fantasma do time campeão e seu espírito lutador brigou com a vocação técnica e paciente do elenco. Não vingou, foi decepção em tom e poesia. Só quedas. Um time que rodou, rodou, rodou e acabou rodando em tudo o que disputou.

Efeito Gustavo Scarpa

O Palmeiras 2018 oferece a chance de entrar o mundo moderno pelas portas da Academia de Futebol. Marcação individual, pouca posse e muita verticalidade infértil devem, enfim, sair de cena. Pela primeira vez, nesses anos todos, o clube se estruturou com outra finalidade: o talento, a posse de bola, o poder criativo. Lucas Lima e Gustavo Scarpa representam o que há de mais poderoso nesse quesito e disponível por aqui. Será o time de dois meias, mas com funções distintas. Com necessidades e capacidades complementares.

Lucas é o tradicional, o “antigo”. O meia com a função de buscar o jogo dos pés de seus defensores e encontrar o campo pela frente, com visão ampla e capacidade comprovada, tem a missão de armar o jogo, de iniciar as ações e aliviar os volantes que vinham com o encargo de armar, despressurizando esse setor.

Gustavo é a função do futebol moderno, o espaço novo. Meia que joga pela ponta com a velocidade típica desse setor, com a habilidade de girar uma bola de ponta a ponta, de cortar para o centro e buscar o chute para o gol (Scarpa o faz com enorme qualidade), além de ser o meia que encontra soluções para seu camisa 9 finalizar e encontrar seu outro ponta que infiltra pelas costas do lateral oposto. É um coringa.

É natural que aconteça. Dudu e Borja são privilegiados. O capitão será oxigenado e terá mais liberdade para entortar colunas rivais e buscar o gol. Borja, se não emplacar agora, não dará nunca mais. O Palmeiras, enfim, pode andar alguns anos e dar as mãos, ou os pés, com o futebol da década nova.

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